Rute Serra, Jornal i online

Faz o que eu digo, não faças o que eu faço – velho adágio, a aplicar-se que nem uma luva, aos 704 deputados do Parlamento Europeu. A cerca de cinco meses das eleições europeias, será que conhecemos suficientemente quem nos tem governado?

Foi com a que se espera genuína intenção, que há alguns meses a Comissão Europeia anunciou um novo pacote legislativo anticorrupção. Pretende-se criar legislação aplicável ao setor público e privado, de índole transfronteiriça e harmonizada quanto às definições de infrações penais como suborno, apropriação ilegítima, tráfico de influências, abuso de poder em funções ou enriquecimento ilícito. Boas intenções a obrigar os Estados-Membros, de uma casa, contudo, com aparentes telhados de vidro.

A ponta deste iceberg foi esta semana revelada, através do trabalho de um consórcio de mais de 20 jornalistas de investigação, liderado pela Follow the Money. No estudo EU Misconduct Investigation conclui-se que um em quatro dos atuais legisladores da União Europeia estiveram envolvidos em escândalos que vão desde acusações de assédio até grande corrupção. A análise recaiu sobre casos identificados de comportamentos infratores, com vista a determinar o nível de integridade do Parlamento cessante. E a conclusão é alarmante.

Conflitos de interesses, corrupção (suborno e favoritismo), fraude, uso indevido de autoridade, desperdício e abuso de recursos organizacionais, comportamento inadequado ou tratamento indecente, o cardápio infracional é vasto e foi identificado em 253 casos, envolvendo 163 eurodeputados, sendo que 23 destes (mais de 3%), foram já sentenciados. As situações analisadas ocorreram em praticamente todos os países da UE, à exceção, honra seja feita, de Portugal (eventualmente por inexistência de jornalistas de investigação que se dediquem ao tema, como aponta o estudo referido).

Recordamos certamente o caso de uma das vice-presidentes do Parlamento, a social-democrata Eva Kaili, protagonista do Qatargate, mas que dizer de Lara Comi, eurodeputada da Forza Italia, que um juiz italiano condenou em outubro passado a mais de 4 anos de prisão por embolsar 500 mil euros de dinheiro público, mas que permanece ainda em funções? Ou de Ioannis Lagos, condenado por dirigir uma organização criminosa devido à sua participação na liderança do partido neonazi Golden Dawn da Grécia, porém ainda no ativo. E não olvidemos a “impoluta” conduta do partido liderado pela líder francesa de extrema-direita Marine Le Pen, Rassemblement National, do qual cinco eurodeputados são suspeitos de terem aceitado viagens de luxo, em troca da emissão de relatórios favoráveis sobre as eleições na Crimeia e no Cazaquistão, desde 2021.

Mas há ainda evidência de total improbidade para o exercício de tão relevantes funções públicas, de quem pode não ser corrupto, mas manifesta pobreza ética bastante e incompatível com o exigível: veja-se a conduta do eurodeputado estónio Jaak Madison, que há dez anos vendeu um iPhone perdido e que lhe foi entregue, por 100 euros, ou de um dos dois vice-presidentes do grupo de extrema-direita Identidade e Democracia no Parlamento, o alemão Gunnar Beck, que foi multado por usar indevidamente o título de “professor” na cédula eleitoral para as eleições da UE de 2019.

Muitos mais casos foram revelados, sendo que os dados também sugerem que os eurodeputados de direita e conservadores estão envolvidos com uma frequência relativamente maior em escândalos do que os políticos de centro-esquerda, os liberais e os Verdes.

O que se conclui, porém, deste emaranhado de gente de má índole, a quem 8.000 euros de salário, após impostos, a que acresce quase 5.000 euros em despesas gerais (muitas vezes utilizados para financiamento partidário nas origens), não chega para as ambições, é que a Europa, esse ente longínquo que rege grande parte das nossas vidas, impõe regras éticas a outros (e bem) que não consegue obrigar-se a si própria a cumprir (com inevitáveis más consequências).

É só para não se estranhar se em junho voltarmos a assistir a uma estrondosa abstenção, por “falta de confiança ou insatisfação com a política em geral”, seguida do desconhecimento relativamente à UE e suas instituições”, como apurou, nas últimas eleições europeias, este Eurobarómetro.