Óscar Afonso, Expresso online

Em Portugal é conhecido que temos taxas de IRS elevadas para níveis de rendimento relativamente baixos no contexto europeu e taxas de IRC das mais altas, pelo que a nossa competitividade fiscal é baixa nesses impostos distorcionários

Será que a redução da carga fiscal beneficia o crescimento económico? Esta questão tem motivado, ao longo dos anos, vasta investigação na área económica.

A evidência científica – teórica e empírica – aponta para um efeito positivo da redução da tributação em geral sobre o crescimento económico e, em particular, de determinados impostos mais penalizadores (distorcionários) da atividade económica, mas há nuances.

Como têm vindo a público opiniões de economistas a rebater essa possibilidade, ou pelo menos menorizando-a, esta crónica pretende ser um salutar contraditório, evidenciando resultados de artigos empíricos recentes, alguns publicados nas melhores revistas científicas internacionais.

Evidentemente, os estudos diferem de várias formas, desde a tributação em causa (imposto em concreto, carga fiscal em geral ou até aumento da despesa pública a financiar por impostos futuros, só para dar alguns exemplos), até às metodologias de análise e técnicas de estimação econométrica, ou ao país ou conjunto de países considerados, pelo que pode haver estudos específicos com resultados noutro sentido, mas que apenas constituem a “exceção que confirma a regra”.

Vejamos exemplos de estudos concretos emblemáticos e recentes, em linha com as tendências gerais acima apontadas, para ficarmos com uma ideia mais fidedigna do ‘estado da arte’ nesta matéria.

Um estudo de Mertens e Olea (2018), intitulado “Marginal Tax Rates and Income: New Time Series Evidence”, publicado na seminal Quarterly Journal of Economics, mostra que a diminuição de um ponto percentual na taxa de marginal de Imposto sobre o Rendimento Singular (IRS) nos EUA produziu um aumento de 0,78% no PIB no período 1946-2012.

Um resultado semelhante é apontado no artigo de Nguyen, Onnis e Rossi (2021), “The Macroeconomic Effects of Income and Consumption Tax Changes”, publicado na igualmente prestigiada American Economic Journal: Economic Policy, para o Reino Unido no período 1973-2009.

Considerando estudos com muitos países – mais interessantes para o caso português, que é incluído nos dados –, desta vez para o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), no artigo “Tax structure and economic growth”, publicado no também seminal Journal of Public Economics, Lee e Gordon (2005) mostram que uma redução de 10 pontos percentuais (p.p.) na taxa de IRC conduz a um aumento entre 1 e 2 p.p. no crescimento económico anual, considerando 70 países em 1970-1997, incluindo Portugal, como referido.

De uma forma mais geral, confirmando os resultados acima referidos, no working paper da OCDE “Taxation and Economic Growth, os autores Johansson, Heady, Arnold, Brys e Vartia (2008) concluem que o imposto mais penalizador do crescimento económico na OCDE em 1975-2006 foi o IRC, seguido do IRS e dos impostos sobre o consumo.

É expectável que os impostos diretos, incidindo sobre os fatores produtivos (o trabalho e o capital) sejam os mais penalizadores da atividade económica, pelo que estes resultados não surpreendem.

Naturalmente, estes resultados também incluem dados de Portugal, por estar inserido na OCDE.

Merece anda referência uma meta-análise – trata-se de uma espécie de revisão de literatura quantificada, estimando o valor agregado de um dado impacto considerando muitos estudos – recente nesta temática específica da relação entre impostos e crescimento económico, revelando resultados muito interessantes por incluírem uma sistematização inovadora e bastante abrangente.

No estudo “Taxes and Economic Growth in OECD Countries: A Meta-analysis”, publicado na Public Finance Review, Alinaghi e Reed (2021), usando 979 estimativas oriundas de 49 estudos sobre efeitos fiscais no crescimento económico da OCDE, mostram que um aumento de 10% em impostos está associado a uma diminuição / acréscimo no crescimento económico anual de 0,2 p.p. quando parte de uma combinação desfavorável / favorável de imposto, despesa e défice público (designada, respetivamente, TaxNegative / TaxPositive no estudo).

Ou seja, uma combinação desfavorável de subida de impostos distorcionários – IRC, IRS, contribuições sociais e imposto sobre a propriedade (caso do IMI em Portugal), isto é, impostos diretos – ou do défice público para financiar despesas públicas classificadas como “improdutivas” (porque não ligadas à função de produção do setor privado: segurança social e apoios sociais, lazer e serviços económicos), gera um efeito negativo no crescimento económico, assim como quando financiam despesa pública “produtiva” (saúde, educação, habitação, transportes e comunicações, serviços públicos gerais e defesa) se a dimensão do Estado for elevada – se for pequena, o efeito é positivo.

Os outros dois casos em que há um impacto positivo sobre o crescimento económico – além do referido, não aplicável a Portugal porque o peso do Estado na economia pode ser considerado alto – no estudo são o aumento de impostos não distorcionários (sobre bens e serviços – impostos indiretos, casos do IVA, Imposto de Selo, IMT, ISV, IUC e Imposto sobre o Tabaco em Portugal) para financiar despesa publica produtiva ou para gerar um excedente orçamental. Demais combinações de despesa e défice público e tipo de despesas a financiar, classificadas como “ambíguas”, geram um efeito negativo sobre o crescimento (antes da introdução das variáveis de controlo, pois após a sua inclusão não é possível aferir o seu efeito, daí este resultado não ser reportado no resumo do artigo).

Esta meta-análise, bastante completa, mostra que existem casos de efeitos positivos de aumentos de imposto sobre o crescimento económico (por exemplo, um aumento do Imposto sobre o Tabaco consignado ao financiamento da despesa pública de saúde), mas são exceções que fazem sentido à tendência geral de impacto negativo sobre o crescimento económico, sobretudo dos impostos diretos.

Em Portugal, infelizmente, é conhecido que temos taxas de IRS elevadas para níveis de rendimento relativamente baixos no contexto europeu e taxas de IRC das mais altas, pelo que a nossa competitividade fiscal é baixa nesses impostos distorcionários, que assim podem – e devem – ser reduzidos com vantagem se quisermos aumentar o nosso crescimento económico, a par com outras reformas para elevar o investimento e a produtividade.