Rute Serra, Jornal i online

Teria sido mais prudente, em conformidade com o que é recomendado pelo OLAF, ter envolvido entidades como o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal, a Procuradoria Europeia, a Academia e a sociedade civil, na elaboração deste documento, concretizando, desse modo, uma Estratégia Antifraude verdadeiramente holística e adequada.

Estratégias Nacionais devem ser instrumentos de orientação e coordenação das ações de um país em direção a objetivos específicos e são desenvolvidas em multíplices setores e áreas de atividade. 

Em Portugal existem dezenas de Estratégias Nacionais (das quais sabemos pouco sobre efetiva monitorização e implementação). Pouco antes do país ir a banhos, foi, finalmente, publicada a primeira Estratégia Nacional Antifraude no âmbito da Prevenção e Combate à Fraude na aplicação dos Fundos do Orçamento da União Europeia para o período de 2023-2027 (ENAF), aprovada por Despacho conjunto da Ministra da Presidência e do Ministro das Finanças (arriscaria dizer que é a única Estratégia Nacional que não foi aprovada através de uma Resolução do Conselho de Ministros...). Antes tarde que nunca, apesar de existirem desde 2016, orientações (não vinculativas, mas referenciais de boas práticas) dirigidas ao Estados-Membros para o desenvolvimento de eficazes Estratégias Nacionais, da responsabilidade do Organismo Europeu de luta Antifraude (OLAF).

A formulação de uma Estratégia Nacional, para a prevenção e combate da fraude aos fundos europeus, mede-se pela capacidade manifestada em diferentes, mas complementares vetores: o envolvimento de todas as entidades do ecossistema dos fundos europeus, a adequada definição do contexto e dos recursos administrativos e financeiros a alocar, com recurso a dados coerentes e íntegros e a definição clara de objetivos, prioridades, metas e indicadores (específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas/pertinentes, definidos no tempo e com identificação inequívoca dos responsáveis pela sua execução). 

Ultrapassado o contexto, centremo-nos, sucintamente, na substância, no que à ENAF concerne. 

Se atentarmos nas suprarreferidas orientações do OLAF, bem se entende o motivo pelo qual um documento deste tipo deve dispor, não só sobre despesa (a “aplicação dos fundos”), mas compreender também o ciclo da receita, em especial, relativo à arrecadação de IVA. É assim que é composto um orçamento, que materialize e defenda os nossos interesses financeiros: por despesas e... receitas.  

O fenómeno da fraude, conforme bem refere o ponto 1.3. da ENAF, obedece, conforme unanimemente aceite, a um ciclo antifraude: prevenção, deteção, correção e repressão. Estranha-se, portanto, que no que diz respeito aos dois últimos momentos mencionados daquele ciclo, se refira, laconicamente, que considerando a incompetência dos intervenientes nos sistemas de controlo interno no âmbito da investigação criminal, as autoridades (competentes) que se preocupem com o assunto.

Parece-nos que teria sido mais prudente, aliás em conformidade com o que é recomendado pelo OLAF, ter envolvido entidades como o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal, a Procuradoria Europeia, a Academia e a sociedade civil, na elaboração deste documento, concretizando, desse modo, uma Estratégia Antifraude verdadeiramente holística e adequada.

De facto, tivesse assim acontecido, talvez não se tivesse olvidado da ENAF a atenção que o regime jurídico das infrações antieconómicas e contra a saúde pública merece, quarenta anos depois da sua publicação, sendo inclusive aquele de um tempo anterior à nossa adesão à então CEE.

Compreender-se-á que a única referência da ENAF ao Mecanismo Nacional Anticorrupção seja no sentido de se estabelecer um protocolo? Assim é, não obstante todo um ponto (2.5.) a descrever o que já consta da Estratégia Nacional Anticorrupção e se afirmar, no enquadramento, que existiu harmonização entre as duas Estratégias Nacionais, as quais distam no tempo três anos...

Com efeito, o que esta ENAF faz é remeter para momento posterior todo o pensamento que devia ter sido desenvolvido previamente à elaboração de um instrumento fundamental, para uma eficaz prevenção e um robusto e efetivo combate à fraude aos fundos europeus. Um dever (legal e moral) de todos os Estados-Membros que deles usufruam.

Convirá não esquecer que os interesses financeiros da União são os nossos interesses.