Jorge Fonseca de Almeida, Jornal i online
Mesmo em tempo de guerra muitos governantes e responsáveis ministeriais preferem o seu interesse pessoal ao interesse coletivo
A Ucrânia é, geralmente, vista como um país em que as elites apresentam um elevado nível de corrupção. Alguns setores governamentais têm procurado, por influência externa, nomeadamente da União Europeia, combater esse tipo de criminalidade. Os resultados, contudo, são pouco animadores.
Esta semana ficou marcada pela substituição do Ministro da Defesa, o icónico Oleksii Reznikov, que durante meses vimos como símbolo do governo ucraniano, por este não conseguir conter a onda de corrupção, roubo e fraude que assola o seu ministério.
Segundo o Washington Post a demissão surge no meio de uma grande investigação sobre corrupção e subornos no Ministério da Defesa na sequência das gigantescas somas de apoio externo recebido e que se parecem evaporar (ver aqui).
Mas a corrupção estende-se para lá do roubo da ajuda externa e está também a prejudicar o recrutamento de tropas, sendo que os médicos têm vindo a declarar inaptos muitos jovens a troco de dinheiro. Outro escândalo relatado no jornal americano prende-se com os preços de compra da comida para os militares que terá sido adquirida a preços altamente inflacionados. As mesmas alegações se ouviram aquando da compra de coletes para os soldados.
Estes exemplos mostram como mesmo em tempo de guerra muitos governantes e responsáveis ministeriais preferem o seu interesse pessoal ao interesse coletivo.
Sem estruturas e instituições de auditoria atuantes, sem uma cultura policial forte, sem uma estrutura jurídica de leis e instituições capazes de em tempo oportuno identificar, julgar e punir os corruptos, a Ucrânia vê-se a braços com uma outra frente que vai minando a confiança dos cidadãos na liderança governamental.
A jornalista Cândida Pinto recém-chegada da Ucrânia referia no telejornal as conversas que manteve com várias pessoas que se mostravam perplexas como uns tinham de enterrar os filhos enviados para a frente de batalha, enquanto outros, com mais dinheiro, conseguiam que os filhos ficassem livres do serviço militar ou fossem colocados longe da linha da frente. Esta situação é extremamente prejudicial ao moral das tropas.
Como se vê a corrupção é extremamente perniciosa. Chegando ao ponto de por em risco operações militares de envergadura. Alguns adiantam que esta corrupção sem freio no Ministério da Defesa pode ser a causa, através da baixa moral das tropas, da lentidão da contraofensiva e da sua aparente incapacidade de avançar no terreno apesar dos equipamentos modernos.
O novo ministro da Defesa Rustem Umerov, um tártaro muçulmano originário da Crimeia, é ele próprio um rico oligarca, com interesses em áreas como as telecomunicações, fibra ótica e outras. A sua carreira política, apoiada na fortuna pessoal, está longe de convencer que será um oligarca como ele a combater eficazmente a corrupção. O futuro em breve o dirá.
Esta situação deve servir de lição a Portugal que também tem uma grande debilidade no combate à corrupção e à fraude, nomeadamente na área da Defesa, e que esta debilidade se pode transformar rapidamente em vulnerabilidade estratégica. O episódio nunca esclarecido dos submarinos e os casos atuais ligados a governantes e também ainda não esclarecidos mostram que existe um problema à espera de solução.