Patrick de Pitta Simões, Jornal i online
É tudo assédio? Não, nem tudo é assédio como se pensa
Podemos encontrar várias definições sobre o que é o assédio, contudo, é importante olhar para a letra da lei antes de se utilizar a palavra. A pergunta que se coloca é a seguinte: É tudo assédio? Não, nem tudo é assédio como se pensa.
O Código do Trabalho esclarece no seu artigo 29.º, aplicável também a trabalhadores em funções públicas(1), que se deve entender por assédio (moral) o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Por sua vez, constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito referido. Situação distinta desta é o crime de importunação sexual, previsto e punido no artigo 170.º do Código Penal (CP), que ocorre quando alguém importuna outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual.
Alguns autores e tribunais têm defendido que, para que uma conduta possa ser considerada assédio, tem de existir uma prática reiterada ou constante. Outros autores, com os quais se concorda e se desenvolve a argumentação no livro a “Proteção de Denunciantes e Canais de Denúncia” (da editora Almedina, págs. 306-316), defendem que deve ser feita uma interpretação literal da lei, que não menciona ser necessário a prática de um ato reiterado, contínuo ou duradouro.
Entre outras práticas criminosas, podemos enumerar como situações próximas do assédio a ameaça (quando alguém ameaça outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação) ou a coação (quando alguém, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma ação ou omissão, ou a suportar uma atividade). Crimes previstos e punidos, respetivamente, nos artigos 153.º e 154.º do CP.
Com especial relevo para clarificar a definição de assédio, chama-se a atenção para o crime de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154.º-A do CP, o qual considera-se praticado quando alguém, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
Conclui-se, assim, que a prática de assédio não tem de ser um ato reiterado, como previsto para o crime de perseguição, basta que aquela conduta aconteça uma única vez em contexto laboral. A intencionalidade do seu ator deverá ser o fator decisivo a considerar.