Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
É conhecido que uma das principais fontes de crescimento económico e de riqueza das nações é o comércio internacional, mas o seu dinamismo e contributo para o crescimento mundial tem vindo a diminuir nas últimas décadas a um nível global, sinal de um retrocesso na globalização.
O comércio global de bens e serviços abrandou desde o início do milénio, para um crescimento médio anual de 5,6% na década de 2000 (após 7,4% na década de 1990) e 5,1% na década de 2010, em termos reais (dados do FMI).
Para tal contribuíram as tensões protecionistas crescentes entre os principais blocos económicos, com realce para as medidas dos EUA sob Administração Trump (face à China e à UE), as inúmeras barreiras levantadas pela China no acesso ao seu enorme mercado e mesmo as erigidas pela UE, nomeadamente nos produtos agrícolas e noutras áreas, sobretudo por via de barreiras regulamentares (ambientais e outras), muitas justificáveis, mas muitas outras não tanto.
Em 2020, em face do "grande confinamento" provocado pela pandemia por covid-19, o comércio global recuou próximo de 8% em volume, tendo depois recuperado cerca de 10%, em 2021, com os progressos da vacinação e o alívio do confinamento. Ainda as cadeias de valor globais não tinham recuperado completamente das disrupções da pandemia e voltaram a sofrer um novo choque desde fevereiro de 2022, devido à guerra na Ucrânia, com a reorientação de fluxos de comércio de bens russos alvo de sanções (energéticos, militares e outros). Mesmo assim, as previsões de janeiro do FMI apontam para um crescimento ainda relevante do comércio mundial em 2022 (5,4%), a refletir novamente a realização de despesa adiada durante a pandemia, desta vez, sobretudo ao nível dos serviços, em particular, do turismo, com o fim das restrições e controlos sanitários às viagens (incluindo de avião) na generalidade dos países.
Para 2023 e 2024, o FMI prevê progressões historicamente modestas do comércio global (2,4% e 3,4%), influenciadas pela perda de poder de compra devido à elevada inflação e pelo agravamento das tensões geopolíticas e protecionistas - no contexto da guerra na Ucrânia e da luta pela hegemonia global entre EUA e China -, que se verificam mesmo entre aliados. Com efeito, o "Inflation Reduction Act" (IRA) de 2022 dos EUA, com uma cláusula "buy american" na área da transição climática, obrigou a UE a desenhar uma resposta europeia com base em ajudas de estado - com riscos para países possuindo menor margem orçamental, como Portugal -, que lhe permite agora negociar com os EUA isenções para as empresas europeias às restrições do IRA, mas os resultados dessa negociação são ainda desconhecidos.
Comparando a dinâmica do comércio mundial e do PIB mundial em volume, verificamos que o contributo (implícito) do comércio tem vindo a diminuir de forma dramática: variações médias anuais de 7,4% e 3,5%, respetivamente, na década de 1990; 5,6% e 4,3% na década de 2000; 5,1% e 4,1% na década de 2010; e 3,2% e 3,1% de 2019 a 2024 nas projeções de janeiro do FMI.
Estas são tendências de desglobalização preocupantes, em particular para países de pequena e média dimensão como Portugal, cujo processo de crescimento económico está particularmente dependente da penetração e expansão nos mercados internacionais.
É neste contexto que devemos olhar para a evolução recente do comércio internacional português e perspetivas.
Após um crescimento real de 16,7% das exportações em 2022, 8,7% nos bens e 37,7% nos serviços - com um grande contributo do turismo -, as previsões mais recentes por componentes, do Banco de Portugal (datadas de dezembro), apontam para um forte abrandamento neste ano e no próximo (para 4,3% e 3,7%), que poderá sair reforçado no próximo boletim económico, a divulgar em março.
Uma parte relevante deste crescimento das exportações estará adstrita ao turismo, pelo que a progressão nos bens será ainda mais diminuta.
Um problema estrutural ao nível das nossas exportações, que impede uma maior progressão dessa importante componente do PIB, é a excessiva concentração em poucos mercados, pelo que a diversificação de mercados foi um objetivo assumido no quadro comunitário de apoio que está a terminar, o Portugal 2020.
Uma análise rápida de alguns números faz questionar a efetividade dos fundos europeus (também) em matéria de diversificação, face aos reduzidos progressos ou mesmo retrocessos.
Nos resultados do comércio internacional de bens de 2022 (dados do INE), o peso do mercado da UE no total pouco se reduziu entre 2014 (o primeiro ano do PT 2020) e 2022 (último ano de execução), passando de 70,8% para 70,5%, o que revela (em média, certamente haverá honrosas exceções à regra) dificuldades de penetração em mercados extracomunitários e/ou uma simples desconsideração da necessidade de diversificação fora dos mercados europeus, em qualquer dos casos contrariando o objetivo de diversificação pretendido.
Por outro lado, considerando apenas os três maiores mercados de exportação de bens (Espanha, França e Alemanha), todos europeus, verificamos que o seu peso até aumentou nesse período (de 46,9% para 49,3%), passando a representar quase metade do total. Dada a relativa estabilização do peso do mercado intra-comunitário (UE), constata-se que o acréscimo de peso dos três maiores mercados (todos europeus, como referido) se fez à custa da redução da importância dos demais mercados da UE, evidenciando dificuldades de penetração ou não priorização também ao nível desses mercados.
No caso dos serviços de turismo, o panorama não é muito melhor. Considerando os cinco maiores e tradicionais mercados (Reino Unido, Alemanha, Espanha, França e EUA, neste caso incluindo dois mercados extracomunitários, mas tradicionais) o peso nas dormidas de não residentes pouco se reduziu entre 2014 e 2022, tendo passado de 60% para 58%.
Os riscos de dependência de poucos mercados externos são grandes (o mesmo se passa ao nível dos mercados de importação, aqui não analisados), em particular para uma pequena/média economia como a portuguesa e no atual contexto desfavorável às trocas internacionais (anteriormente descrito), pelo que se aconselha uma maior prioridade e efetividade de mecanismos de promoção da diversificação de mercados externos no Portugal 2030, que ainda não se iniciou, faltando ainda sair a respetiva regulamentação.