José António Moreira, Expresso online

A dívida pública deveria ser para todos os cidadãos o mais transparente de todos os assuntos da governação pública, independente do respetivo grau de literacia financeira. Cada um deveria ter presente que, tal como nas respetivas vidas pessoais, a dívida é a espada de Dâmocles que condiciona a existência coletiva do país

Na passada semana, o trunfo lançado pelo Ministro das Finanças foi a “descida impressionante” da dívida pública (DP), um dos maiores feitos do ano de 2022, segundo ele.

Tomando como base as estatísticas do INE, no final desse ano a DP representava 113,8% do valor do produto interno bruto (PIB), contra 125,4% registado no ano de 2021. Ou seja, sem mais, qualquer cidadão só pode ficar satisfeito com a evolução positiva verificada.

Porém, o modo propagandístico como estes números foram lançados para o espaço público, sem uma contextualização adequada que ajudasse os cidadãos financeiramente menos letrados a perceber o que efetivamente eles significam, pode aproveitar no curto prazo aos políticos que de tais números se apropriam e, indevidamente, os apresentam como o resultado das respetivas intervenções governativas; mas não aproveita ao país, não ajuda tais cidadãos a avaliar adequadamente a evolução das finanças da “casa comum” que é o Estado.

Num passado de má memória, tivemos governantes que afiançavam que a DP não era para pagar; outros que juravam a pés juntos que “não pagamos” e o problema seria dos credores do país. Não será de estranhar, pois, se nos dias de hoje poucos forem os cidadãos que se preocupam com a dimensão da DP e com o que ela significa para a vida do país. Para os restantes, os despreocupados, os números acima referidos entram por um ouvido e saem pelo outro e, quando muito, serão entendidos como um certificado de que a evolução é deveras favorável e, por isso, é altura do Governo deixar de ser tão austero e começar a atender às múltiplas reivindicações de aumento da despesa pública que por todo o lado pululam.

Porém, a situação da DP não é tão auspiciosa como o Ministro das Finanças quis fazer crer. A partir de dados da Pordata, em 2022 a DP aumentou em 5 mil milhões de euros. Significa este número que dos gastos efetuados pelo Estado nesse período, uma parte, nesse montante, foi assegurada com fundos obtidos junto de credores, ou seja, mais dívida.

Para se ter uma ideia da dimensão desse acréscimo, refira-se que o orçamento da educação para 2023 (ensino básico e secundário) é de cerca de 7 mil milhões de euros; ou que, dividido tal acréscimo por 10 milhões de habitantes, representa um aumento da responsabilidade de cada um em 500 euros! Quanto às respetivas consequências, admitindo uma taxa de juro média da DP de 3%, tal aumento da dívida representa um adicional de 150 milhões de euros de juros anuais, que corresponde a cerca de metade do custo de construção esperado para o Hospital Lisboa Oriental. Juros que terão de ser pagos todos os anos até que o dito aumento de dívida seja reembolsado.

Reconcilie-se esta aparente inconsistência, entre uma evolução positiva da DP, quando perspetivada em termos de percentagem, e a existência de um agravamento, se olhada em termos monetários. Uma percentagem (%) é o resultado da divisão entre duas grandezas. No caso em apreço, é o montante da DP a dividir pelo valor da PIB, i.e. DP/PIB. A evolução (favorável) salientada pelo Ministro resulta do facto de no referido ano o denominador (PIB) ter aumentado mais do que o numerador (DP). Não mais do que isto.

O Ministro não mentiu. Apenas optou por apresentar a perspetiva que, supostamente, lhe era favorável no presente, “esquecendo” a evolução monetária da DP. Comportamento inadequado, quando olhado na perspetiva do bem comum, por duas razões principais. Primeiro, porque a DP é, sem dúvida, a maior ameaça que o país enfrenta, condicionando de forma profunda a evolução futura do país. Segundo, de modo particular num tempo de forte aumento das taxas de juro, implicando que uma maior parcela da riqueza produzida anualmente seja afeta a esta despesa, a DP deveria ser para todos os cidadãos o mais transparente de todos os assuntos da governação pública, independente do respetivo grau de literacia financeira. Cada um deveria ter presente que, tal como nas respetivas vidas pessoais, a dívida é a espada de Dâmocles que condiciona a existência coletiva do país.

Em tempo. A estimativa da despesa com juros constante do Orçamento Geral do Estado para 2023 é de 6,3 mil milhões de euros. Assustador.