Marcus Braga, Jornal i online

Faz-se necessário estabelecer outros olhares sobre a questão dos escândalos de corrupção, suas raízes e possíveis soluções

A sociedade atual, hiperconectada, tem como efeito o cidadão comum inundado de informações múltiplas, imagens e sensações, que geram cansaço, é verdade, mas o carregam também de incertezas, medos, inseguranças e de falta de confiança. Sentimentos que resultam em reações por vezes violentas, radicais, extremas. Um tempo de tanta informação e contraditoriamente, de tão pouca confiança.

Diante das questões sociais do cotidiano, lamentáveis e reais, e nesse sentido encontra-se também a questão dos escândalos de corrupção, essas bombas de informação geram sentimentos de revolta e indignação, que alimentam o clamor popular pela punição exemplar e pública, resgatando o conceito do suplício do estudioso francês Michel Foucault.

Para tais mazelas se deseja ardentemente polícia, prisão e algemas. Uma catarse de indignação que de tão intensa, é fugaz, descontextualizando do racional das causas sistêmicas que levaram aquela situação, e ainda, do acompanhamento das providências punitivas, preventivas e reparadoras necessárias, que levam anos para se concretizarem, por vezes.

E tal sanha punitivista, embebida em revolta, se cala no outro lado de sua moeda, na visão paternal de um agente hipossuficiente, ignorante, que erra por desconhecer as regras e que precisa ser orientado. O reverso da medalha da punição barulhenta sobre o agente público que representa o mal encarnado é a hiper atenuação de suas responsabilidades, por ser néscio. Orbita-se entre o vilão e o coitado, quando, na verdade, está em outro lugar o coringa desse baralho.

Jazem esquecidos os aspectos sistêmicos da questão da corrupção, presentes nas fragilidades derivadas do arranjo adotado, do sistema normativo, da suficiência dos controles e dos incentivos aos agentes. Dissocia-se a corrupção de seus aspectos estruturais, aprisionada nos aspectos morais dos agentes, e pouco se tem a discutir na agenda anticorrupção nesse prisma, que não seja apenas a penalização, suas intensidades e modalidades.

Faz-se necessário estabelecer outros olhares sobre a questão dos escândalos de corrupção, suas raízes e possíveis soluções. E quando se fala de estrutura, de arranjo, emerge a discussão de mecanismos mais leves, um “soft control” (com o perdão do anglicismo), por meio dos quais se busque a prevenção da corrupção de forma menos embrutecida, pela adoção de uma abordagem um pouco esquecida, que é o estabelecimento de incentivos.

Incentivos, no sentido da adoção de mecanismos que preservem a autonomia dos atores envolvidos, mas que os estimulem, por recompensas, a adotar determinadas atitudes e que são interessantes na agenda proposta. Mecanismos que incentivem a promoção da transparência das informações, a denúncia de irregularidades, ou ainda, o acompanhamento pelo cidadão das compras governamentais. Exemplos de ações preventivas e que não se utilizam de mandamentos ou sanções, e sim de recompensas.

Essa estratégia de prevenção da corrupção traz vantagens por ter maior aceitação no debate público, em especial em um tema tão árido, mas também se mostra interessante por trazer menos custos de transação de monitoramento e sanção, por gerar menos burocracia normativa, por trabalhar com comportamentos induzidos e de forma global, na qual os agentes envolvidos buscam, por si próprios, adotar determinados comportamentos, mediante um sistema de incentivos, o que se mostra muito eficiente em ações que envolvem muitas pessoas em ações cotidianas e repetitivas.

Além disso, as recentes discussões de economia comportamental, o conceito de Nudge, trazidos na obra seminal de mesmo nome dos autores Richard Thaler & Cass Sunstein, tem ampla utilização nas discussões que envolvam incentivos para uma conduta mais íntegra, na prevenção do fenômeno da corrupção, dialogando essas estratégias diretamente com o cotidiano da gestão pública e com a criação de salvaguardas adequadas.

Se é tão maravilhosa essa abordagem, complementando as ações na linha mais diretiva de se criar controles ou mais cultural de se criar consensos, qual é a dificuldade então de se estabelecer incentivos para um agir que contribua para a agenda anticorrupção? A dificuldade está no cenário apresentado no início do texto. Mesmo quando discutimos a estrutura administrativa em relação a corrupção, transitamos entre o diretivo do criar controles e sanções confrontado ao angelical do criar consensos nos corações e nas mentes.

Aprisionados nessas duas dimensões, da ordem autoritária que cria controles e da superficialidade ingênua na qual tudo é uma questão de decisão individual, não se enxerga o ser humano real, na sua condição psicológica e sociológica condizente com referenciais teóricos consistentes, e que não contribui mais com a causa anticorrupção, não por que seja resistente ou ignorante desta, mas pelo fato que lhe faltam os incentivos necessários. E se a agenda anticorrupção é uma demanda da sociedade, para o bem de todos, ela precisa dispor da magia dos incentivos para estimular esses comportamentos nos cidadãos em geral, em situações específicas e que precisam ser identificadas e estudadas. Investir assim, racionalmente, em recompensas que tragam as pessoas para comportamentos que, orquestrados em uma ideia maior, contribuam para reduzir o fenômeno da corrupção.