Óscar Afonso, Expresso online
Foi apresentada recentemente a proposta de linha de Alta Velocidade (AV) Porto-Madrid, via Trás-os-Montes. Esta proposta apresenta claras vantagens sobre a alternativa conhecidas via Aveiro-Salamanca-Madrid.
Desde logo pela distância. Em termos de tempos de viagem entre Porto e Madrid constata-se que, de ambas as soluções, a proposta Porto-Zamora-Madrid, via Trás-os-Montes, assegura uma maior rapidez que a solução alternativa, oferecendo um tempo de viagem de 2h45 contra as 4h30 por Aveiro-Salamanca-Madrid. Acresce que esta última solução obriga a percorrer mais 30 km, num trajeto que inclui velocidades manifestamente inferiores, nomeadamente entre Vilar Formoso e a linha de AV em Medina del Campo.
Em segundo lugar, uma vez construída a linha Lisboa-Porto, a proposta Porto-Zamora-Madrid permite ligar diretamente ao TGV os dois maiores aeroportos do país e os seus maiores portos, o que representa um enorme avanço em termos de mobilidade de passageiros e de mercadorias.
Em terceiro lugar, esta proposta é aquela que mais beneficia o país porque é aquela em que mais quilómetros são percorridos em território nacional e aquela que menos dependente está da construção de linhas novas em Espanha (40 km contra 200 km por Vilar Formoso e 400 km por Elvas), e é também aquela que mais aproxima Portugal do atravessamento dos Pirenéus, por Irún/Hendaye. Note-se que o atravessamento dos Pirenéus via Portbou/Cerbère distancia demasiado o País da Europa central e, por isso, retira competitividade à ferrovia como modo de transportar as nossas exportações.
Em quarto lugar, este percurso desencravaria Trás-os-Montes do isolamento e do despovoamento galopante a que tem vindo a ser condenado, porque será um eixo interurbano de escala ibérica. Este novo fluxo permitirá, por exemplo, incrementar a eficácia e eficiência do ensino e da saúde no território abrangido, uma vez que existe a possibilidade de colocação de profissionais num contexto de ir e vir no mesmo dia.
Neste cenário, haverá uma melhoria na qualidade de todos os serviços, e diminuirão os custos dos profissionais que se veem, muitas vezes, obrigados a custos associados com uma segunda habitação, que, com esta solução de transporte, deixariam de existir. O mesmo acontece no sentido inverso, porquanto muitas pessoas poderiam passar a optar por viver ao longo do eixo, e trabalhar na Área Metropolitana do Porto ou mesmo em Madrid. Esta questão assume particular relevância devido ao elevado custo de vida no centro das grandes cidades face aos custos sociais de aglomeração.
Por sua vez, no que respeita à questão da bitola europeia, estando a União Europeia a rever a exigência de ser obrigatória a respetiva instalação nos novos investimentos, e atendendo à evolução em Espanha da respetiva introdução, verifica-se que a solução via Trás-os-Montes é a que mais beneficia o País, já que é aquela que requer menor investimento em território espanhol.
O atual Plano Ferroviário Nacional (PFN) aponta para a escolha do corredor Aveiro-Viseu-Salamanca como sendo o eixo de AV a Norte e as razões que suportam essa escolha, mas o seu ponto de vista está claramente ultrapassado. O corredor Aveiro-Viseu-Salamanca foi a escolha resultante da XIX Cimeira Luso Espanhola da Figueira da Foz, realizada em 2003. Nessa Cimeira foi apenas ponderada a escolha dessa opção pela suposta evidência de que a Norte do Douro o relevo era demasiado montanhoso e, portanto, que era impossível implementar uma linha com essas caraterísticas em território transmontano.
A proposta apresentada pela Associação Vale D’ Ouro veio, contudo, desfazer esse mito, exibindo uma “nova” solução viável e com claríssimas vantagens.
Perante a “nova” evidência é, naturalmente, necessário reavaliar o posicionamento do Corredor Internacional Norte, tendo em conta os custos e benefícios reais efetivos da obra a realizar e o seu carácter estrutural, pois o paradigma de mobilidade na região afetada será significativamente diferente consoante a opção.
Acresce que na linha da Beira Alta estão a ser investidos 500 milhões de euros e, caso se construa uma nova linha de AV no eixo Aveiro-Viseu-Salamanca, irá sobrepor-se a uma existente que está, portanto, a ser modernizada. Neste caso, no final, haveria uma via única (linha da Beira Alta) e uma via dupla (nova linha) a desembocar numa linha única com velocidades até 155 km/h, ou seja, três linhas numa só, uma vez que Espanha, para além da eletrificação em curso, não prevê fazer mais nenhum investimento entre Vilar Formoso e Medina del Campo (200 km que custam no mínimo 1 500 milhões de euros), já que retirou essa ligação da rede transeuropeia.
Importa reter também que a linha Aveiro-Viseu-Mangualde foi reprovada duas vezes pela União Europeia, pelo que, estando em curso uma obra financiada na linha da Beira Alta que serve passageiros e mercadorias, como será possível, dado o histórico de propostas inviabilizadas, garantir novo financiamento para outra linha no mesmo canal?
Note-se também que em Trás-os-Montes não existe nenhuma ferrovia e que a região está totalmente dependente e refém do transporte rodoviário, quando o futuro é, como todos sabemos, a ferrovia. E os 40 km em falta em Espanha representam um investimento de apenas cerca de 300 milhões de euros.
Assim, relativamente à proposta apresentada no PFN, há que ter em conta a inexistência de estudos detalhados que comparem com rigor os dois corredores (Aveiro-Viseu-Salamanca e Porto-Zamora-Madrid), sem os quais é impossível fazer uma comparação técnica efetiva das opções. Decidir pelo corredor Aveiro-Viseu-Salamanca só porque sim é decidir um investimento de 4 000 milhões de euros sem nenhuma racionalidade económica.
Por conseguinte, antes de uma decisão política definitiva, exige-se que seja realizado um estudo comparativo dos reais custos e benefícios de ambas as soluções.