A Terra de Miranda é rica em recursos para a produção de vinhos de excelência. A montante e a jusante dos nossos 90 km de encostas do Rio Douro produzem-se os vinhos mais prestigiados e caros da Europa - a montante o Toro, o Arribes, o Ribera del Duero, e a jusante o Douro. Mas os habitantes da Terra de Miranda são pobres porque, apesar destas condições naturais prodigiosas, que outros bem aproveitam, a área de vinha produzida na Terra de Miranda caiu cerca de 70% nos últimos 20 anos. Pelo que se pode perguntar: o que se estará a fazer de errado para que isso aconteça?
A Terra de Miranda é rica em recursos porque tem sete raças autóctones, entre elas a carne de vaca mirandesa, um produto de excelência, das mais prestigiadas e com maior procura nos mercados. Mas os habitantes da Terra de Miranda são pobres, porque o número de cabeças de gado, estranhamente, tem vindo a cair ao longo dos anos e só nas últimas duas décadas essa quebra foi de cerca de 30%. Pelo que também a este nível se pode perguntar: o que se estará a fazer de errado para que isso aconteça?
A Terra de Miranda é rica porque é nela que, segundo os especialistas, se localizam os recursos naturais mais favoráveis do mundo inteiro para a produção de energia hidroelétrica. A Terra de Miranda está para a energia hidroelétrica como o Kuwait está para o petróleo. Produzem-se no território cerca de 300 milhões de euros anuais de energia e geram-se 100 milhões de impostos. Mas nada lá fica, nem sequer o IMI dos edifícios das barragens e, por isso, os Mirandeses são pobres de rendimentos. Pelo que mais uma vez se pode perguntar: o que se estará a fazer de errado para que isso aconteça?
A Terra de Miranda tem uma língua e uma cultura milenares, dois recursos únicos, que têm um enorme potencial económico e que, em qualquer parte do mundo ocidental, seriam suficientes para produzir desenvolvimento e tornar a região rica. Mas a população que manteve esta língua ao longo dos séculos e a trouxe até nós, está empobrecida, envelhecida e caiu cerca de 70% nos últimos 60 anos, com a democracia, porque, sendo pobres, os habitantes da Terra de Miranda emigram. Acresce que este desastre demográfico se acelerou nos últimos 10 anos. E, como todos sabemos, sem população não há língua, não há cultura, não há economia e não há nada. Pelo que se pode perguntar de novo: o que se estará a fazer de errado para que isso aconteça?
Porque é que a população de uma terra rica, com recursos prodigiosos, foge à procura de melhores rendimentos?
São duas as causas do que se tem vindo a passar na Terra de Miranda e ambas são de natureza política. Sendo a culpa do poder político, só os políticos dispõem dos instrumentos necessários para corrigir as causas do acelerado empobrecimento.
Primeiro, é por demais evidente a obsolescência da legislação que regula a estrutura fundiária, cadastral e fiscal, da propriedade rústica, que afasta as explorações agrícolas de qualquer possibilidade de competição nos mercados. Essa legislação vem do tempo da ditadura. Por inércia ou calculismo político, os governos nunca fizeram nada e carece, urgentemente, de uma profunda reforma. O minifúndio extremo, ou microfúndio, impedem a viabilidade agrícola num mundo globalizado. Sabe-se isso há 60 anos, os mesmos anos que dura o desastre demográfico na Terra de Miranda. Pois bem, chegou a hora limite para o governo fazer o seu trabalho, adaptando a legislação ao contexto de mundo globalizado atual, sob pena de ser demasiado tarde.
Segundo, o modelo de partilha da riqueza das barragens é o mesmo que serviu para a barragem de Cabora-Bassa, feito também pelo anterior regime, e consiste no seguinte: O Estado contrata com uma concessionária a apropriação de recursos naturais das populações. A concessionária fica com as receitas e o Estado com os impostos. Para as populações não sobra absolutamente nada. Sabe-se que um ex-governante, no exercício dos seus poderes, disse que o rio é do Estado, não é das populações, como se dizia antigamente. Mas é assim? É isso que se deseja? Haverá orgulho neste modelo injusto de repartição da riqueza, que não promove de coesão territorial, sabendo que a coesão territorial é um princípio constitucional e que é um desígnio da União Europeia? Chegou a hora de o governo implantar um modelo de partilha de recursos justo, que orgulhe todos os portugueses, que cumpra a Constituição e que a União Europeia realize um dos seus mais importantes desígnios, sob pena de ser mesmo demasiado tarde.
Ambas as causas dos problemas da Terra de Miranda são, pois, de natureza política. E, por isso, pode dizer-se que a política está a matar a economia, a cultura e o povoamento da Terra de Miranda. É a política, ou a falta dela, a falta de inteligência legislativa, que está a contribuir para que recursos naturais prodigiosos, competitivos e extraordinariamente produtivos estejam a dizimar o território. Ou talvez o centralismo, o abandono, a falta de cultura democrática e de serviço à cidadania, dos nossos políticos. As vantagens comparativas do território estão pois, por ação política, a ser revertidas em desvantagens comparativas, numa espécie de maldição dos recursos. Não há dúvida que na Terra de Miranda vigora o paradoxo da abundância pela má gestão governamental dos recursos.
O que está em causa não é pouco. Se nada for feito, continuando a ignorar-se o problema, segundo os especialistas, uma língua milenar vai morrer como língua viva nos próximos dezoito anos, vergada por um despovoamento irracional e por um quadro legal que, de tão obsoleto e injusto, tem mais poder destrutivo do que muitos bombardeamentos. Se nada for feito de relevante e poderoso, os atuais políticos ficarão para sempre como os (últimos) responsáveis pela morte da língua e da cultura mirandesa e pelo despovoamento do território.
O Mirandês e a cultura da Terra de Miranda são fatores de orgulho e de identidade, não apenas dos seus cidadãos, mas de Portugal, de todos os portugueses. São um património de valor incalculável da civilização europeia, da cultura, da diversidade, e do humanismo.
Se nada for feito, em breve, no território, haverá apenas idosos a tratar de idosos, até ao último. E o que virá depois, quando for uma Terra sem gente? O que é o vazio em política? Sem língua, sem cultura, sem povo, com recursos amarrados à improdutividade, o que vai acontecer?
Quando ouvimos os agentes políticos a falar de traçar linhas vermelhas com o populismo, é aqui que o devem fazer, porque é a sua inércia, incúria e abandono que estão a conduzir ao populismo. O caminho para o vazio, o despovoamento a que esta política nos está a conduzir é uma passadeira vermelha para o populismo, porque não existe vazio em política. Esta política de nada fazer, mata a língua, a cultura, a economia e o povoamento, mas é, ao mesmo tempo, a incubadora do populismo.
Na Terra de Miranda, enfraquecida, deprimida e empobrecida pelo ostracismo político, nasceu um Movimento de cidadãos, que elaborou um Plano Estratégico, onde está diagnosticado tudo o que agora se disse, bem como as soluções transformadoras que ainda estão a tempo de ser adotadas. Os Municípios da Terra de Miranda apoiam, naturalmente, esse Plano e há pressa, muita pressa, na sua implementação porque caminhamos a passos largos para um precipício que está já aí. E o governo e o senhor Presidente da República, porque não apoiam também o Plano Estratégico oferecido pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda?
Em última instância, a resolução dos gravíssimos problemas da Terra de Miranda depende apenas da vontade política, com o governo à cabeça, para levar a cabo uma verdadeira missão de resgate e de salvação.