Nuno Magina, Jornal i online
Portugal continua a negligenciar os conflitos de interesses no seio da governação política
Há precisamente três anos escrevi o meu primeiro artigo de opinião sobre a corrupção em Portugal - 'CORRUPÇÃO - em sono profundo', um grito silencioso à inação política e cívica face a uma característica muito enraizada da sociedade portuguesa. Depois de o publicar, decidi que devia aumentar o meu pequeno contributo escrevendo com mais regularidade sobre este tema. Um ato visto por muitos como idealista, tais são os graus de sonolência e resignação que assolam o nosso país.
Nesse período, pouco ou nada aconteceu para se reverter o status quo. Portugal continua ingloriamente posicionado no Corruption Perceptions Index - o índice mais utilizado a nível mundial para medir a corrupção no setor público – descendo em três anos da 30.ª para a 32.ª posição dos países menos corruptos. Os resultados do Global Corruption Barometer, publicado em junho de 2021 pela Transparency International, revelaram um dado ainda mais preocupante. Na perceção dos portugueses, o fenómeno da corrupção em Portugal disparou nos doze meses anteriores (41%). Algo que invariavelmente corrói a confiança nas instituições democráticas e galvaniza políticos populistas para quem a solução é muito fácil – cadeia para essa ‘gente’ toda! Mesmo os políticos do arco da governação têm surfado essa onda, focando o discurso na repressão de carácter penal, em vez de promover a prevenção. A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024 anunciada em setembro de 2020 reflete exatamente isso – uma panaceia genérica sem medidas concretas de prevenção e transparência da coisa pública.
Portugal continua a negligenciar os conflitos de interesses no seio da governação política. As cumplicidades e portas giratórias entre titulares de cargos públicos e empresas privadas tornam muito fácil o jogo de influência à margem da corrupção, dificultando a sua investigação criminal. Os processos dirigidos pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, como sejam o processo ‘EDP/CMEC’ e a ‘Operação Marquês’, têm tido o mérito de colocar a nu essa dura realidade.
Entretanto, os portugueses continuam a endeusar com facilidade os empresários e gestores de ‘sucesso’, principalmente aqueles que apareçam em revistas ‘cor-de-rosa’ e se movimentam alegremente nos corredores do poder, sem antes se interrogarem sobre quem os controla.
O país continua a distinguir-se pela sua impiedosa máquina fiscal, em que a sofisticação dos meios informáticos tem prevenido com bastante eficácia as práticas de evasão fiscal. Algo de que os portugueses se devem orgulhar. Estranhamente, não se tem usado essa mesma fórmula para o controlo da despesa pública em matéria de riscos de corrupção.
Portugal tem as pernas e o saber para correr noutra direção, mas a vontade política (ou a falta dela), tem apostado no mote ‘Status quo para que te quero!’. Mesmo neste cenário, continuam a haver muitos que não desistem de tentar despertar a consciência coletiva. Associações sem fins lucrativos como o Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), da qual orgulhosamente faço parte, e a Transparência e Integridade continuam paulatinamente a fazer alertas e recomendações dirigidas ao poder político. Haja esperança!