Miguel Viegas, Jornal i online

A PAC encontra-se pela sua natureza altamente exposta à fraude por várias razões.

A Política Agrícola Comum (PAC) representa um terço do orçamento comunitário. Anualmente, saem dos cofres da União Europeia cerca de 55 mil milhões de euros repartidos por mais de 6 milhões de agricultores beneficiários.

O Plano Estratégico para a PAC está neste momento prestes a ser fechado entre o governo português e a Comissão Europeia. Este documento é fundamental na medida em que determina como irão ser distribuídos os cerca de 10 mil milhões de euros atribuídos a Portugal a título de ajudas agrícola para o período 2023-2027. Sim, trata-se de uma verdadeira “bazuca agrícola” que, infelizmente, tem sido pouco debatida em Portugal!

De acordo com um relatório do Tribunal de Contas Europeu publicado este mês (“Resposta da Comissão à fraude na Política Agrícola Comum: É tempo de cultivar soluções”), entre 2016 e 2020, a PAC representou 11% dos montantes fraudulentos comunicados ao Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF). O montante global das irregularidades associadas à PAC neste período representa uma quantia de 226 529 858 euros.

A PAC encontra-se pela sua natureza altamente exposta à fraude por várias razões. A primeira tem a ver com a grande complexidade dos instrumentos de apoio que dificultam as atividades de controlo. O espaço geográfico onde se aplicam muitos dos apoios, muitas vezes distantes dos grandes centros ou em zonas montanhosas de difícil acesso representa a segunda razão. A terceira e última razão, para não sermos exaustivos, tem a ver com a própria natureza dos apoios. Com efeito, ao contrário da generalidade dos apoios comunitários que são conferidos mediante reembolso de despesas realizadas, a maior parte dos subsídios agrícolas são atribuídos com base em direitos que decorrem de critérios de elegibilidade. Estes critérios são associados ao beneficiário, à área agrícola que ocupa e à atividade agrícola que desenvolve. São conhecidos os casos de fraude envolvendo por exemplo o chefe do governo húngaro que conseguiu, junto dos seus próximos, apropriar-se de imensas áreas de terra agrícolas recebendo milhões de apoios da PAC.

Não se conhece em Portugal semelhante histórico em matéria de fraude com os fundos da PAC. Contudo, dados os montantes em causa, é fundamental que o governo português possa estar munido com as ferramentas necessárias para poder cumprir com a sua missão fiscalizadora, reforçando os organismos pagadores e os organismos de certificação que são responsáveis pela distribuição dos fundos.

Existem hoje ferramentas, umas de uso corrente e outras ainda em fase de teste, que permitem automatizar grande parte dos controlos baseados em imagens de satélite. O recurso à inteligência artificial e aos megadados representam outras potencialidades a explorar.

A Comissão Europeia tem desde 2013 seu próprio instrumento informático de pontuação do risco, o Arachne, que é disponibilizado aos Estados-Membros a título gratuito e numa base voluntária. Desde 2019 que o âmbito do Arachne foi alargado à PAC através de um projeto-piloto lançado em fevereiro de 2019 que abrange projetos de desenvolvimento rural. Neste momento, apenas 7 dos 76 organismos pagadores utilizam esta ferramenta de forma corrente. Portugal, que se encontra fora deste lote, tem ainda um longo caminho a percorrer.