Manuel Castelo Branco, OBEGEF

Às empresas também deve ser imputada a responsabilidade, holística e partilhada com outros agentes, de preservar a legitimidade do processo democrático, a soberania dos Estados e o vínculo social.

Muitas das dificuldades atualmente sentidas na implementação de políticas de resposta aos vários problemas sociais e ambientais com que nos confrontamos encontram-se relacionadas com práticas empresariais como a corrupção e o envolvimento político das empresas. Algumas das principais formas de tal envolvimento correspondem ao lobbying, ao chamado fenómeno das “portas giratórias” (o movimento de pessoas entre empresas e setor público) e ao financiamento de partidos ou de candidatos a cargos políticos.

Embora diferentes, estes fenómenos possuem algo importante em comum, uma vez que todos eles correspondem a formas de as empresas influenciarem as decisões de governo. Algumas das mais influentes iniciativas associadas à chamada responsabilidade social das empresas, como as Diretrizes da OCDE para as empresas multinacionais, incluem mesmo explicitamente o aspeto das contribuições políticas como componente da luta contra a corrupção. O Pacto Global da ONU, na sua publicação “A guide for Anti-Corruption Risk Assessment” (Guia de Avaliação de Riscos Anticorrupção), referindo-se às múltiplas formas de corrupção, considera as doações políticas como uma forma de suborno e menciona explicitamente o fenómeno da “porta giratória” como uma forma de corrupção.

A regulação destes fenómenos pode ser diretamente associada à preservação do ideal democrático, o qual é visto por muitos como um recurso comum imaterial a ser defendido. Nesta perspetiva, às empresas também deve ser imputada a responsabilidade, holística e partilhada com outros agentes, de preservar a legitimidade do processo democrático, a soberania dos Estados e o vínculo social. as As empresas estão a comprometer a legitimidade democrática e o vínculo social, quer quando se envolvem em lobbying a favor de regulamentações benéficas para as empresas, mas prejudiciais para a sociedade, quer quando se envolvem noutro tipo de ações, como as associadas à corrupção. Por exemplo, escândalos de corrupção afetam profundamente o vínculo social, na medida em que reduzem a confiança que os cidadãos têm nos setores público e privado e também nos seus concidadãos. Há pouco mais de 5 anos, no prefácio a um relatório da OCDE sobre “Financing Democracy: Funding of Political Parties and Election Campaigns and the Risk of Policy Capture” (Financiando a democracia: o financiamento de partidos políticos e campanha eleitorais e o risco de captura política), Angel Gurría, à data secretário-geral desta importante organização, apontava algumas das consequências da captura da política por interesses privados: erosão da governação democrática, da coesão social, da igualdade de oportunidades, bem assim como declínio da confiança na própria democracia. Ele terminou o seu prefácio afirmando que, em democracia, a política pública nunca devia estar à venda pelo melhor preço.

Um caso particularmente interessante tem sido o do lobbying das alterações climáticas. Muitas empresas multinacionais e suas associações empresariais têm utilizado o lobbying para procurar contrariar ou atrasar as políticas de alterações climáticas. Surgiram recentemente notícias relativamente ao caso dos EUA revelando que empresas tão conhecidas e influentes como a Apple, a Amazon, a Microsoft e a Disney, que se promovem como apoiantes da luta contra as alterações climáticas, têm, na verdade, apoiado associações dedicadas ao lobbying contra a legislação climática destinada a promover a descarbonização naquele país (https://www.theguardian.com/us-news/2021/oct/01/apple-amazon-microsoft-disney-lobby-groups-climate-bill-analysis). Também relativamente ao setor bancário têm surgido notícias semelhantes. Um relatório publicado em março deste ano pela organização InfluenceMap sobre “Finance and Climate Change” (https://influencemap.org/report/Finance-and-Climate-Change-17639) refere-se a uma desconexão entre compromissos e ações por parte das 30 maiores instituições financeiras mundiais, apresentando como uma das evidências de tal desconexão a associação destas instituições a associações empresariais envolvidas de forma consistente com o lobbying para enfraquecer a regulação das finanças sustentáveis.

A recente iniciativa sobre o lobbying das alterações climáticas “Global Standard on Responsible Climate Lobbying” (Norma Global sobre Lobbying Responsável das Alterações Climáticas) (https://climate-lobbying.com/) poderá contribuir para que casos como os referidos acima não sejam tão frequentes. Trata-se de uma iniciativa desenvolvida pelo AP7, o maior fundo público de pensões sueco, o BNP Paribas Asset Management e o Church of England Pensions Board, em parceria com a Chronos Sustainability, no sentido de influenciar este tipo de lobbying. Resta-nos esperar que esta e outras iniciativas semelhantes tenham algum impacto positivo nos comportamentos no setor privado e público, contribuindo para a confiança nas empresas, no governo e no processo democrático.