José António Moreira, OBEGEF
As consequências são bem mais graves, defraudando expetativas de relacionamento que a boa-fé na negociação justificava, deixando vidas em suspenso.
A informatização das organizações, da sociedade como um todo, teve consequências enormes no modo como as pessoas, sejam individuais ou coletivas, comunicam entre si. Na população ativa mais jovem, poucos serão os que têm experiência de comunicar por via física, escrevendo uma carta, colocando-a no correio e esperando que, passados dois ou três dias, quando não mais, ela chegue ao seu destino. A isto se juntava outro tanto tempo, ou mais, para receber uma resposta. Hoje, a comunicação com terceiros faz-se por email, ou por curtas mensagens. É mais cómoda, ao nível do custo de envio e de tempo de preparação, mas também na rapidez de acesso ao destinatário.
A comunicação tornou-se instantânea, ou quase. Dispara-se um email para o outro lado do mundo e, pronto, chegou. Por via deste caráter imediato, que é comum a muitas outras facetas da atual vida em sociedade, os indivíduos, e por arrastamento as organizações, tornaram-se mais impacientes, protestam quando as respostas que esperam não chegam com o imediatismo de que se julgam credores.
Porém, enquanto se nota um crescente aumento dessa impaciência geral e da incapacidade para esperar, nota-se um igual crescimento das situações em que à mensagem recebida não há a atenção de contrapor um acuso de receção. É como se cada um, recebido o que se espera, se esquecesse de quem ficou do outro lado aguardando um “recebi”, ou até um “obrigado”, perfeitamente justificável em muitos casos.
Há dias, a pedido de uma estudante que estava a estagiar numa empresa, gastei várias horas a recolher material e a redigir uma longa mensagem com informação. Remeti-a. Passaram duas semanas sem que o simples acuso da receção tivesse ocorrido. Contatei a estudante. Respondeu que se “esquecera” de acusar a receção.
Este tipo de “esquecimentos” é cada vez mais recorrente. Esquece-se o “outro”, salvo quando é para exigir ou obter algo. Ainda que involuntariamente, é um modo de condicionar a vida de alguém, é a consubstanciação de um relacionamento oportunista em que o “outro” deixa de existir depois de nos servir.
Pensará o leitor que a vida moderna, em que todos andam demasiado atarefados, não deixa espaço para respostas ou, mesmo, para incluir nas mensagens uma curta palavra de saudação. É provável que assim seja e que o condicionamento do “outro” a que me referia seja para muitos um fator despiciendo.
Suba-se um patamar. O A. candidatou-se a um lugar numa organização, no âmbito de um processo de seleção. Foi chamado para uma entrevista, julgou que esta correra bem, foi informado que depois seria contactado. Os meses passaram, o A. esperava o prometido contacto, a sua vida em suspenso. Não queria pressionar a organização, mas não podia ficar eternamente à espera. Contactou-a. Do outro lado da linha, secamente, foi informado que esse processo de seleção estava fechado há dois meses e que um outro candidato havia sido selecionado.
Este caso real não é exceção neste tipo de relacionamentos. Pelo contrário, tende a ser a regra. Satisfeita a necessidade, as organizações esquecem os “outros” não escolhidos, sem uma palavra que encerre uma curta relação que não frutificou. Poderá justificar-se este tipo de comportamento com a pressão do dia-a-dia, a falta de tempo? Não, de todo.
É claro o condicionamento que atuações como a referida têm sobre as vidas dos “outros” que deixaram de ter utilidade. Agora, as consequências não se ficam pelo nível da polidez, pela falta de resposta às mensagens recebidas. São bem mais graves, defraudando expetativas de relacionamento que a boa-fé na negociação justificava, deixando vidas em suspenso.