Nuno Magina, Jornal i online
Por estranho que pareça, os países mais ricos em termos de recursos naturais estão frequentemente na cauda da riqueza económica
Em fevereiro de 2022, o Governo avançou com o concurso para a prospeção de lítio em seis áreas do norte e centro do país. Um projeto envolto em euforia face à cotação exponencial do ‘ouro branco’ e às reservas já conhecidas em território nacional, em dimensão, as nonas a nível mundial e primeiras no continente europeu. Em 2021, este metal chegou a valorizar-se 300%, projetando-se para 2022 uma valorização de 20%. No final deste ano, uma tonelada de carbonato de lítio poderá cotar-se em 21 000 dólares. Uma grande parte do mercado é absorvida pela produção automóvel, sendo fácil perceber que a euforia movida a baterias de lítio não vai abrandar tão cedo.
Do ponto de vista puramente económico, aparentemente, são ótimas notícias para o país. A extração ou mineração abundante de recursos naturais, como sejam ouro, petróleo e diamantes, representa um símbolo de riqueza em toda a história da humanidade. Portugal que o diga, que no seu auge colonialista beneficiou do ouro vindo do Brasil. Contudo, por estranho que pareça, os países mais ricos em termos de recursos naturais estão frequentemente na cauda da riqueza económica. Um paradoxo bizarro, ao ponto de ser intitulado a maldição dos recursos - ‘resource curse’ na nomenclatura original. Como se os países bafejados pela abundância fossem amaldiçoados logo de seguida por uma série de flagelos – conflitos internos, disparidades sociais, desemprego e corrupção, entre outros.
São muito poucos os países que escaparam a esta maldição, sendo Noruega o caso mais paradigmático. Até os Países Baixos não fugiram a ela. Em 1958, este país descobriu na província de Groninga uma das maiores jazidas europeias de gás natural, despoletando após a sua exploração uma série de efeitos negativos, algo denominado por economistas como ‘Dutch disease’ (a doença holandesa).
São muitos os fatores que ajudam a explicar esta aparente contradição. Por exemplo, as volatilidades do preço e da produção de recursos naturais não permitem implementar uma política orçamental estável. A alocação de meios financeiros e humanos à extração faz diminuir a dinâmica empresarial nos setores produtivos, mesmo ao nível da inovação, aumentando assim as importações. No século XVIII, Portugal sofreu exatamente destas condicionantes por via do ouro brasileiro, marcando o início do enorme fosso económico em relação a outras nações europeias. Por outro lado, estes projetos são normalmente conduzidos como qualquer outra atividade empresarial, não canalizando investimentos significativos para as comunidades locais afetadas. Mas não bastando isso, associada à extração ou mineração surge um subproduto muito perigoso – a corrupção. Infelizmente, esses recursos são demasiadas vezes explorados para o benefício de um grupo restrito de pessoas - quando se faz parecer o contrário - e com muito pouco escrutínio público.
São muitas as análises e recomendações resultantes das experiências passadas. A ‘Natural Resource Governance Institute’, uma organização independente sem fins lucrativos sediada em Nova York, dedica-se exclusivamente a isso e aponta várias pistas. Um dos casos de sucesso tem a ver com a constituição de fundos soberanos financiados por receitas cobradas na exploração. O fundo soberano da Noruega, o maior do mundo, assenta nesse princípio. A transparência da informação sobre medidas minimizadoras de impacto ambiental, bem como sobre receitas e investimentos dos ditos fundos, ajudam a mitigar o risco de corrupção. Quanto maiores forem as taxas de imposto ou de ‘royalties’ cobradas na exploração mineira, maior será a capacidade de financiar as atividades em beneficio da população e menor será o risco de práticas corruptas.
Portugal tem uma oportunidade de ‘ouro’ de não repetir os erros do passado - os seus e de tantos outros países. Por agora, a discussão pública sobre a prospeção do lítio não tem ido muito além da questão ambiental – algo inequivocamente importante. No entanto, é como se as questões económica e social fossem óbvias, gerando sempre um saldo positivo para o país, esquecendo por completo o que três séculos de história nos ajudaram a comprovar.