Miguel Abrantes, Jornal i online
Não será mais justo para os contribuintes e transparente para os consumidores que as empresas em vez de apoiarem iniciativas socialmente relevantes paguem a totalidade dos impostos devidos?
O mecenato que consiste numa atividade segundo a qual uma entidade dotada de meios financeiros apoia a realização de atividades de interesse público, deve o seu nome a Caio de Mecenas (conselheiro do Imperador Augusto), o qual patrocinou vários artistas no Séc. I A.C.
Ao longo dos séculos o mecenato foi sendo incentivado em diversos países do mundo como forma de a sociedade civil conceder donativos ao desenvolvimento de algumas atividades, originando, desta forma, que os estados, pelo menos aparentemente, economizassem recursos.
Atualmente, o mecenato está institucionalizado e implica, em regra, a concessão de benefícios (normalmente de caráter fiscal) como recompensa pelo financiamento de atividades de caráter social, educacional, ambiental, cultural ou desportivo.
Existem, todavia, exceções a esta regra (nas quais a recompensa dada ao mecenas não é relevante). Desde a década de cinquenta do século passado a Fundação Calouste Gulbenkian tem apoiado, sem contrapartida equivalente, o Estado no prosseguimento de atribuições que pertencem a este.
Na década de setenta também do século passado esta fundação ofereceu ambulâncias para que o Estado pudesse reforçar a sua função de socorro e, na mesma década, possibilitou que muitos jovens residentes fora das zonas urbanas conseguissem ter um primeiro contacto com a leitura mediante a utilização de bibliotecas itinerantes.
No entanto, o exemplo atrás citado constitui uma das poucas exceções à regra.
Em Portugal, o Estatuto dos Benefícios Fiscais consagra um capítulo dedicado ao mecenato, onde é estatuído que: constituem donativos «entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas…cuja atividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional».
Os benefícios fiscais atribuídos traduzem-se em muitos países, em regra, em deduções para efeitos da determinação do lucro tributável, no caso das pessoas coletivas, e em deduções à coleta do imposto sobre o rendimento, no caso das pessoas singulares.
No respeitante a estas últimas, é frequente sermos informados que pessoas famosas pela atividade que desenvolvem apoiam de forma significativa atividades de caráter social.
Por exemplo, o Sr. Paul David Hewson, conhecido no mundo musical por Bono, é o exemplo de uma pessoa conhecida não só pela atividade que desenvolve, mas também pela sua filantropia. Este senhor, no entanto, aparece mencionado no escândalo financeiro «Paradise Papers» por envolvimento em fraude fiscal.
No respeitante às pessoas coletivas, também é comum lermos notícias, segundo as quais, multinacionais muito conhecidas utilizam o mecenato como forma de se associarem a causas social ou culturalmente relevantes.
Todavia, em 2014, o Consorcio Internacional de Jornalistas (International Consortium of Investigative Journalists – ICIJ) revelou pormenores de operações efetuadas por 345 multinacionais com o propósito evitar o pagamento de impostos.
As referidas operações implicaram que quantias avultadas de impostos não fossem pagas nos países onde, nos termos da legislação em vigor, deveriam ter sido e beneficiou grandes multinacionais como a Amazon, o Citigroup, a Ikea, a General Electric, a GlaxoSmithKline, a Gazprom, a PepsiCo, a Procter and Gamble, a Timberland, e a Volkswagen.
Não será mais justo para os contribuintes e transparente para os consumidores que as empresas em vez de apoiarem iniciativas socialmente relevantes paguem a totalidade dos impostos devidos (sem deduções devido ao mecenato) e pagassem, também, para publicitar os seus produtos, em vez de os divulgarem juntamente com ações de beneficência?
Caso as empresas, e também os cidadãos, pagassem os impostos na totalidade, seria o Estado (legitimado pelo voto popular) a decidir onde é que os referidos montantes seriam aplicados e, não, cidadãos ou empresas, que, por muito mérito que tenham no desenvolvimento da sua atividade, não estão legitimados pelo voto popular.
De igual forma, se as empresas assumissem sempre, de forma clara, a publicidade que fazem aos seus produtos, estariam a ser mais transparentes para os consumidores. Estes poderiam distinguir com clareza a publicitação de um produto de um ato de generosidade.
Assim, é importante ponderar se é socialmente justo que os apoios dados por empresas e particulares a atividades socialmente relevantes sejam fiscalmente dedutíveis.