José António Moreira, OBEGEF

Tendo em consideração o teor das queixas, intui-se que a contratualização de um desses cartões é meio caminho andado para a vivência de um autêntico pesadelo.

Provavelmente, o leitor já terá sido abordado, uma ou mais vezes, para subscrever um cartão de crédito WiZink. Se não foi o caso, mas frequenta centros comerciais, já se terá apercebido da presença de um cavalheiro ou de uma dama, quando não um par, que, a partir de um pequeno móvel de apoio decorado com o nome da instituição financeira, seleciona, da turba que passa, a pessoa a quem se vai dirigir com o objetivo de procurar motivá-la para a subscrição de um cartão de crédito “sem anuidade”. [Metaforicamente, esse vendedor age como o predador que, à passagem da manada, seleciona o animal mais débil para sobre ele se lançar.]

Pode parecer estranho que as pessoas escolhidas para essa abordagem inicial não sejam as que, à primeira vista, aparentem possuir melhor situação financeira. Duas razões poderão explicar essa (aparente) inesperada seleção. A primeira, a potencial maior taxa de sucesso de subscrição que se obtém entre pessoas de menores recursos, pois as restantes tenderão a possuir já um cartão de crédito fornecido pelo seu banco. A segunda, a maior rentabilidade fornecida à instituição financeira por parte dos subscritores de menores recursos que, efetuando transações com o cartão, mais utilizam a facilidade de concessão de crédito que a este está associada e é remunerada a taxas de juro elevadas.

Tendo em consideração o modelo de negócio inerente à distribuição e concessão de cartões, a primeira das razões referidas tende a ser a mais provável. Com efeito, quem seleciona e aborda o potencial “cliente” é remunerado “à peça”, recebendo um montante fixo por cada contrato concluído. A respetiva relação com o subscritor do contrato (o “cliente”) termina nesse momento, passando a mesma a ser gerida pela instituição de crédito. É na especificidade deste modelo de negócio que, potencialmente, reside a parte substancial dos problemas mais tarde vividos pelos subscritores. Com efeito, se quem força a subscrição não é responsável por responder às reclamações daqueles, existe um forte incentivo para que apenas a realização do contrato conte e todos os meios sejam adotados para levar à subscrição do cartão, mesmo informação enganosa, ou pelo menos incompleta e imprecisa, sobre as vantagens e os custos envolvidos. Neste domínio, portanto, o modelo de negócio tende a criar um incentivo perverso nos agentes que angariam clientes. [Este mesmo tipo de incentivo explicou, em grande parte, a ocorrência da crise do “sub prime” em 2007, nos Estados Unidos, pois quem angariava e concedia os empréstimos imobiliários não era quem, mais tarde, teria de gerir a relação com o cliente.]

A instituição financeira (o banco WiZink), obviamente, sofre as ondas de choque resultantes desse incentivo. Porém, como este se perpetua no tempo, é-se levado a concluir que os proveitos que ele proporciona à instituição são superiores aos custos, mesmo se com o ónus da insatisfação dos clientes. A partir do Portal da Queixa, constata-se que em cada dia são múltiplas as reclamações que eles aí colocam. O padrão das queixas assenta em três vetores principais: promessas de prémio de adesão ao cartão não cumpridas; adesões feitas sob pressão do vendedor, por vezes sem fornecimento de cópia do contrato, em que o pedido posterior do cliente para o resolver não é atendido; operações fraudulentas debitadas no cartão, salientando-se casos em que este nem estava a ser usado e, por vezes, nem sequer havia sido ativado. Mesmo neste último tipo de situação, a partir dessas queixas constata-se que a resposta da instituição é sistemática quanto à atribuição da responsabilidade integral àqueles. Se, posteriormente, alguns clientes veem reconhecido o direito a serem ressarcidos de prejuízos que lhe são indevidamente imputados, isso não acontece sem custos pessoais de tempo e, eventualmente, monetários de contratação de apoio jurídico.

Tendo em consideração o teor das referidas queixas, o sentido de impotência descrito pelos queixosos e o elevado número diário vertido no Portal da Queixa – que é apenas um dos repositórios para este tipo de reclamação –, é-se levado a intuir que a contratualização de um desses cartões é meio caminho andado para a vivência de um autêntico pesadelo.

Se a razão principal que leva um aderente a contratualizar tal cartão for a não cobrança de uma anuidade por parte da entidade emissora, deve o mesmo aderente pensar no muito conhecido e testado aforismo popular “o barato sai caro”.