Jorge Fonseca de Almeida, Diário de Notícias

Lembra-te na morte, lembra-te que és mortal. Eis o conselho que desde a antiguidade grega nos têm dado os sábios. Todos morremos um dia, primeiro fisicamente e depois na memória dos que nos conheceram e, finalmente, mesmo as nossas obras, se as deixarmos, serão esquecidas e desapareceremos completamente da face da Terra.

E no entanto... as consequências das nossas ações perduraram no infinito. Porque cada gesto, cada ação é uma causa que gera outras ações e outros acontecimentos que sem o nosso contributo nunca existiriam. Nós próprios agimos em consequência do que outros antes fizeram, pensaram, construíram.

É neste balançar entre a leveza, tudo será esquecido, e o peso da responsabilidade, o futuro tem inscrito para todo o sempre as consequências das nossas ações, que o ser humano deve refletir, ponderar e agir.

Mas não são só os seres humanos que são mortais. As suas instituições também o são. Mesmo os Estados fenecem por falta de vigor. Na presente conjuntura internacional um Estado morto não é um que não existe formalmente, mas antes um cuja vontade não é escutada, nem levada em conta. Hoje um Estado morto é um Estado irrelevante. Afinal até o Iraque ou o Afeganistão continuaram formalmente a existir mesmo quando ocupados por tropas estrangeiras que lhes impunham políticas e rumos.

Vem isto a propósito da corrupção que grassa no nosso país sem que as autoridades intervenham de forma decisiva. Ficamos deveras indignados ao constatar o quão o país se encontra profundamente desarmado face a este fenómeno. As leis não permitem provar quase nada, os procuradores são incapazes de montar acusações sólidas, os juízes interpretam as leis de forma errática e branda, as garantias dos réus de tal ordem que os processos se arrastam indefinidamente, certa comunicação social amplifica as vozes da confusão moral.

Uma das raras multinacionais portuguesas foi transformada em subsidiária menor de um grupo francês. Na base desta derrocada a aplicação da quase totalidade dos recursos financeiros da empresa em obrigações sem valor emitidas por um dos seus acionistas de quem o Presidente da multinacional recebeu uns milhões. Corrupção? Não. Porquê? Porque nenhum dos envolvidos é funcionário público. Fantástico.

Este pântano viscoso expande-se, entranha-se, estende tentáculos por toda a vida pública, dominada pelos dois grandes partidos que nos têm governado ininterruptamente nas últimas quatro década com resultados, no mínimo, desastrosos.

Portugal tem caminhado em direção à cauda da Europa, não reage aos desafios económicos e sociais, desperdiça recursos em projetos inúteis, não investe no futuro e permite que os fundos públicos europeus sejam desbaratados pela corrupção, pela fraude, pela gestão danosa.

A decisão proferida por Ivo Rosa deve ser para todos os portugueses o momento de perceber que as nações também morrem quando perdem a capacidade de se regenerar, de se autogovernar, quando deixam de ser capazes de enfrentar os desafios, quando deixam que a criminalidade domine.

Que fique claro Ivo Rosa não é o culpado das leis que temos e que ele aplicou, essas são da competência do Parlamento, nem das fragilidades da acusação, essas são da (in)competência do Ministério Público e das condições que lhe são proporcionadas em termos de recursos humanos e materiais pelo Governo, nem do clima de impunidade que grassa no país, essa é da responsabilidades dos sucessivos governos.

Esta decisão deve ser para o nosso país um memento mori. Um alerta para os perigos que Portugal enfrenta. E para as mudanças que são necessárias no sistema legal e político para que o país não se torne cada vez menos respeitado e mais irrelevante, i.e. morto, na arena internacional.