Carlos Pimenta, Jornal i

 

Aceitaria que o seu real amigo investigasse pormenorizadamente as suas reacções faciais antes de adquirir um produto?

O hábito é indispensável à vida humana. Exactamente porque permite actuar espontaneamente, isto é, sem ponderar sobre todos os aspectos da situação, sem analisar racionalmente o assunto.

Por isso você não estranha que não tenha pago nada para usar um qualquer navegador da Internet ou uma qualquer rede social. Apesar de, provavelmente, essa situação ser nova, não se aplicar à generalidade dos bens que utiliza como seus e não ter acontecido com a generalidade dos programas que utiliza.

Também passou a considerar normal que quando abre de novo um programa informático os produtores do mesmo sejam obrigados a informá-lo (e não é sempre porque, entretanto, um ficheiro fica gravado no seu smartphone, computador ou tablet), que vão usar «cookies» («bolinhos») caso queira efectivamente fazê-lo. Claro que todos nós sabemos (incluindo quem colocou o aviso) que sem reflectir sobre o assuntoque vai instintivamente dizer que concorda.

Assim responderá mesmo que o Facebook tenha uma formulação ligeiramente diferente: “Aceitar tudo”. Talvez tenha razão em responder assim porque vários estudos mostram a importância da rede social para os mais que 2,5 mil milhões cidadãos em todo o planeta, porque lhe permite ter amigos em diversas partes do mundo, porque o ajuda a vender produtos, porque permite conhecer as inovações tecnológicas no seu ramo, e por muitas mais razões que, com cuidado podíamos explicitar.

Aliás, segundo a rede social, ao dizer que aceita “tudo” é apenas mais um cidadão que está a dizer que aceita “ajudar a personalizar e melhorar os conteúdos e serviços, mostrar anúncios relevantes e oferecer uma experiência mais segura”! Mais, numa primeira apreciação perguntar-se é: quem não aceitaria sendo coisas tão boas para nós!?

Contudo podemos colocar essa sua aceitação de outras formas:

  • Não se importa de ser a cobaia em que analisam de tal forma os comportamentos que não há quase nada na sua vida que não seja analisado pelos modelos de Psicologia, Fisiologia e Inteligência Artificial?
  • Não se importa de pertencer a uma rede social em que muitos têm uma identidade falsa, constituindo uma verdadeira sociedade fictícia?
  • Não se importa de esclarecer, obviamente com a melhor das intenções, um «amigo» com uma notícia que de facto é falsa, a qual se propagará seis vezes mais depressa?
  • Não se importa de ser roubado, defraudado e enganado porque conhecem quase todos os seus usos e costumes, e portanto, conhecem as melhores formas de o fazer?
  • Não se importa de contribuir altruistamente para uma campanha de recolha de fundos para os «sem abrigo» contribuindo para um particular adquirir mais bitcoins para usufruto estritamente pessoal?
  • Porque permite ser o que não é e, eventual, influenciar outrem e, mesmo, eleições?

Aceitaria que o seu real amigo investigasse pormenorizadamente as suas reacções faciais antes de adquirir um produto? Provavelmente não, sobretudo se for para vir vender-lhe também um produto, então porque aceita que o Facebook o faça? É um facto que constroem modelos com o nosso comportamento.

Admito que esteja neste momento a dizer: “se eu fosse estúpido ele teria razão, mas não sou”.

É verdade, concordo que não o é, mas mesmo assim não aceito que não possa ter comportamentos espontâneos, quiçá parcialmente negativos, como eu ou qualquer pessoa.

Além disso pode nem saber que está a desempenhar uma determinada função!

Será tudo isto (o bom e o mau) inevitável?

Como defendemos [em https://expresso.pt/opiniao/2021-03-03-Regular-sem-dependencias] é possível prevenir, influenciar, controlar e fiscalizar as redes sociais. Como?

Essencialmente

  • Com uma atitude de prevenção actualmente inexistente, uma sólida formação do maior número possível de cidadãos sobre as redes sociais. Formação ao longo da vida a começar bem cedo nos bancos da escola.
  • Mudando o paradigma actual, desejando pagar, embora pouco, pela aquisição de um email ou inscrição numa rede social. A partir desse momento também somos clientes e temos de ser encarados de forma diferente.
  • Com um controlo socialmente organizado do funcionamento das redes sociais: uma fiscalização efectiva do funcionamento daquelas comandada por um reduzido número de cidadãos escolhidos aleatoriamente em resultado de três parâmetros: nacionalidade, competência e aceitação do próprio.
  • A sua função principal seria constituir, com base na sua investigação das redes sociais uma base de dados nominal com o que é analisado de cada cidadão, a que cada um de nós poderia ter acesso e autorizar ou não.