Miguel Abrantes, Jornal i
A abertura do governo de Chipre ao investimento estrangeiro originou que criminosos pudessem circular em toda a Uinião Europeia.
Os “papéis de Chipre” consistiu num esquema revelado em 2020 pela estação de televisão do Qatar Al jazeera, cujo o objetivo era a obtenção de passaportes deste país por cidadãos estrangeiros, não teve a mesma divulgação que os “Papéis do Panamá”, nos quais foi revelada a existência de 214.00 empresas desconhecidas das administrações fiscais que tinham como proprietários chefes de Estado, governantes e milionários entre muitos cidadãos anónimos.
Todavia os factos divulgados pela cadeia de televisão do Qatar revestem-se de uma enorme importância. O esquema em causa consistia na emissão de passaportes a cidadãos estrangeiros com a condição de estes investirem em Chipre um montante mínimo de dois milhões de euros.
O único controlo que as autoridades de Chipre efetuavam à idoneidade dos candidatos à obtenção de passaportes era a apresentação de registo criminal. Não existia qualquer verificação relativamente à autenticidade do referido documento, nem à eventualidade de o requerente estar a ser investigado.
Esta abertura do governo de Chipre ao investimento estrangeiro originou que criminosos de delito comum, oligarcas russos, e governantes de diversos países já condenados ou em investigação tenham obtido passaportes deste país e, assim, pudessem circular em toda a União Europeia.
No respeitante aos requerentes que exerciam funções governativas existia a particularidade de muitos deles terem sido condenados (apesar da obrigatoriedade de apresentar registo criminal) ou a ser investigados pela prática de crimes de corrupção.
Em muitos países, incluindo Chipre, os cidadãos que exercem funções governativas têm o estatuto de Politically Exposed Persons (PEP), estatuto que obriga as entidades que realizam negócios com estas pessoas a adotarem medidas para conhecer o património das mesmas, assim como a sua origem.
Esta obrigatoriedade tem o objetivo de combater a corrupção, mas na maioria dos países é aplicada de uma forma muito lata, são considerados PEP pessoas que desempenharam nos últimos (12 meses a cinco anos, dependendo dos países) funções públicas de chefes de Estado, governantes, deputados, juízes e autarcas.
No respeitante a Chipre, até julho de 2019, não existia controlo da atribuição de passaportes a Politically Exposed Persons, depois dessa data passou a existir controlo a PEP que exerceram funções públicas nos últimos cinco anos. Em julho de 2020 os requisitos foram aligeirados e o controlo passou a ser exercido apenas relativamente aos PEP que exerceram funções públicas nos últimos 12 meses.
Independentemente dos requisitos que a legislação de Chipre determine atualmente, a verdade é que este país perdeu credibilidade a nível internacional em consequência de no passado ter concedido passaportes a criminosos e desta forma facilitar a sua atividade no interior da União Europeia.
Além de Chipre, existem outros países e territórios onde é possível obter cidadania e um segundo passaporte que são também considerados pelas legislações nacionais de muitos Estados como tendo regimes de tributação privilegiada (ou seja, paraísos fiscais), designadamente:
- Antígua e Barbuda, onde os cidadãos estrangeiros apenas precisam de efetuar uma doação de 100.000 dólares para o fundo de desenvolvimento do território e comprar um imóvel. O passaporte emitido por esta jurisdição dá acesso a 151 destinos.
- Dominica impõe como requisito a contribuição monetária para o designado Economic Diversification Fund e o investimento numa propriedade de luxo, incluindo hotéis ou resorts. E Grenada, onde é possível obter a cidadania através de duas formas: a entrega de uma contribuição 150.000 dólares para o Grenada National Transformation Fund ou o investimento em propriedade imobiliária num montante mínimo de 350.000 dólares.
Quando um país é reconhecido por ser pouco rigoroso na atribuição de passaportes ou cidadania as consequências fazem-se sentir a diversos níveis, designadamente nas restrições à entrada dos seus cidadãos em outros Estados.
Assim, o que sucedeu em Chipre deverá servir de exemplo aos restantes países. Deverá servir para demonstrar que a ânsia na captação de investimento estrangeiro não poderá afastar o rigor no combate à fraude na atribuição de documentos oficiais e no controlo da circulação de capitais.