Jorge Fonseca de Almeida, Dinheiro Vivo (JN / DN)

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sta semana Portugal vai ultrapassar o número de mortos de Covdi-19 da China. Um pequeno país de 10 milhões de habitantes consegue ter mais mortos do que o colosso populacional chinês que tem 1.400 milhões. Um milagre. A ser totalmente creditado ao Governo.

Este extraordinário milagre pode ser visto de outros ângulos se o exemplo chinês for demasiado chocante para os seguidores das teorias da conspiração que na China vêm a encarnação de todos os males. Portugal tem cinco vezes mais mortos que a Coreia do Sul que tem uma população de 50 milhões de habitantes. Que feito. Inteiramente da responsabilidade do Governo. Quase o dobro dos mortos do Japão que tem uma população de 126 milhões de habitantes. Que façanha. Temos de aplaudir o Governo por este autêntico milagre.

Singapura teve até agora 28 mortos mas tem uma população de apenas 5 milhões de habitantes. Se tivesse 10 milhões como Portugal teria 56 mortos. Nós temos mais num só dia. Milagre. Nem Nossa Senhora de Fátima se atreveria a tentar tal feito. Felizmente que temos este Governo e este Presidente à frente dos destinos da nação, ora se tivéssemos algum dirigente asiático. Não poderíamos brilhar no topo dos rankings mundiais e estaríamos relegados para as últimas posições.

Não fechamos a economia e resistimos à crise. Duplo milagre. Atentemos. A China vai ter um crescimento superior a 2% (que nós em anos normais celebramos como bastante bom) e nós uma recessão de mais de 10% segundo a estimativa do FMI! Que maravilha. A recessão da Coreia será de 1,9%, muito menor que a nossa. A de Singapura de 6%. O Japão vai ter uma recessão de 5%. Conseguimos melhor. A nossa recessão será do dobro.

É esta relação entre proteção da saúde e da vida e proteção da economia que o nosso Governo não percebeu. Ao pretender um equilíbrio impossível, ao imaginar um milagre, perdeu nas duas frentes. Porque uma sociedade doente, desprotegida, não produz e porque uma sociedade desprotegida permite que a pandemia ataque em sucessivas vagas porque nunca consegue parar a transmissão sendo o melhor que pode fazer reduzir temporária as taxas de propagação.

Não nos admiremos, pois, que os dois primeiros trimestres de 2021 sejam igualmente períodos de intensa crise, estando a recuperação inteiramente dependente da velocidade da vacinação massiva das populações. Mas com as taxas de proteção anunciadas da vacina que o Governo decidiu comprar - a mais baixa de todas as alternativas - nem isso está garantido.

Preparemo-nos, famílias e empresas, para um 2021 muito duro em que muito provavelmente não haverá recuperação significativa do turismo (dado que os níveis de infeção correm o risco de se manter elevados em Portugal) e em que a atividade económica estará ainda sobre pressão sanitária e múltiplas restrições.

2021 promete ser mais um ano, de uma longa série, em que Portugal fica para trás e se vai aproximando das últimas posições nos rankings económicos europeus.

O milagre português de prestação ao nível sanitário e económico será com certeza internacionalmente estudado. Porque é com os erros que aprendemos mais, apesar de neste caso estarmos muito acompanhados.

Em vez de milagres o que precisamos é de decisões corajosas que atalhem a propagação da pandemia. Essa é a única solução para a saúde pública e para a economia.