Óscar Afonso, Jornal i

Da riqueza criada pelas barragens, praticamente nada fica aqui. Não dão emprego em Miranda, Picote ou Bemposta, e dos lucros da concessionária nada é reinvestido aqui.

Nesta crónica dou conta do Movimento Cultural da Terra de Miranda que visa dar voz à preocupação da população local sobre a anunciada venda das barragens hidroelétricas de Miranda, Picote e Bemposta, que desde há 60 anos têm contribuído para o desenvolvimento do país. As três barragens produzem cerca de 1/3 da energia hidroelétrica produzida pela EDP no país, gerando uma riqueza anual de cerca de 300 milhões de euros (200 milhões de euros para o concessionário, a que acrescem 100 milhões de impostos). O concessionário pretende agora vendê-las por 2,2 mil milhões de euros. É de elementar justiça que esses valores, gerados pelos recursos naturais da Terra de Miranda, sejam minimamente partilhados com as populações.

Somos conhecidos por ser de uma região atrasada, com uma economia deprimida. Mas, paralelamente, temos três das unidades industriais mais rentáveis do país. Avaliada pela riqueza produzida na Terra de Miranda, a riqueza criada por habitante (tecnicamente o PIB per capita) do Município de Miranda, onde se situam as barragens de Miranda e Picote, é o 6.º mais rico do país e o de Mogadouro, onde se localiza a barragem de Bemposta, é o 25.º. Porém, avaliando o PIB pela riqueza efetiva das famílias, Miranda passa para 182.º lugar e Mogadouro para 225 (dos 308 municípios). Existe, pois, um regime de partilha de riqueza que empobrece a Terra de Miranda em proporções inaceitáveis, que mina a coesão territorial e agrava todos os anos as desigualdades.

Da riqueza criada pelas barragens, praticamente nada fica aqui. Não dão emprego em Miranda, Picote ou Bemposta, e dos lucros da concessionária nada é reinvestido aqui. As imensas receitas fiscais que as barragens geram nada é partilhado com as populações. Qualquer parcela de terra de um desgraçado agricultor ou a casa de habitação de um pobre mirandês pagam IMI, mas os edifícios conexos com as barragens, que valem centenas de milhões de euros, nada pagam. A taxa de recursos hídricos que é cobrada por cada m3 de água que passa nas barragens serve para financiar o Fundo Ambiental e a Agência Portuguesa do Ambiente. Essas receitas servem para financiar os passes sociais de Lisboa e Porto, mas ainda que a lei assegure que devem recuperar as margens dos rios dos prejuízos ambientais produzidos pelas barragens, tal nunca aconteceu.

Apesar do rigor na transferência da riqueza para fora da Terra de Miranda, os custos ficam cá todos, em especial os ambientais. De que serve a localização de três das unidades produtivas mais rentáveis do país se são, basicamente, um passivo de elevado custo?

Este regime de captura de toda a riqueza e a sua transferência para Lisboa é o principal fator de desumanização da região. O leitor certamente concordará que este é um problema grave de injustiça, de falta de solidariedade regional e que mina o desenvolvimento local. Acreditamos que um país desequilibrado e injusto na distribuição da riqueza, não tem futuro. A nossa luta é por justiça, pela viabilidade da região e pelo futuro do nosso país.

A imensa riqueza produzida com recursos naturais da Terra de Miranda deve ser justamente partilhada com as suas populações. O que exigimos não aumenta despesa, défice ou dívida. Também não estamos contra ninguém e não é nosso propósito criticar. Desejamos apenas oferecer ao país um modelo mais justo e inclusivo de partilha da riqueza, que acomode todos. Desde logo, pretendemos que as populações sejam ouvidas, participando no negócio da venda das barragens e que os seus interesses sejam devidamente atendidos.

Acreditamos que há que corrigir injustiças fiscais, mediante a adoção de alterações legislativas que revertam receita para os municípios. Pensamos que há necessidade de elaborar um plano estratégico de desenvolvimento, financiado pelas receitas municipais geradas pela partilha da riqueza das barragens, bem como por fundos europeus, que corrijam as desigualdades cultural, histórica e ecológica. Esses investimentos devem ser reprodutivos para serem sustentáveis economicamente, devendo centrar-se, numa primeira fase, na cultura (língua, literatura, música, danças, folclore e gastronomia) e nas vantagens comparativas da região (vinho, azeite e turismo), atribuindo prémios, incentivando a investigação e a criação de infraestruturas essenciais.

A Terra de Miranda possui um património ecológico único, que se carateriza pela sua espetacularidade, genuinidade e integridade. Contudo, as margens do Douro estão seriamente danificadas pelas pedreiras a céu aberto que subsistem sem qualquer proteção, pelas escombreiras que foram formadas com a movimentação de terras das barragens, e pelas construções e vias de circulação que foram abandonadas após as obras. As casas do bairro dos engenheiros na barragem de Picote e todo o seu património edificado é classificado desde 2011, pelo Estado, de Interesse Público, como exemplar da arquitetura industrial moderna em Portugal e caso de estudo pelas universidades de arquitetura. Mas esse património, a exceção da Pousada que foi recuperada para uso exclusivo dos altos quadros da EDP, está a devoluto e a degradar-se quando podia servir os interesses do turismo da região. Há, de facto, imensos casos de verdadeiros crimes ambientais continuados que duram desde há 60 anos. Chegou o momento de fazer. Pretendemos que o rio Douro não separe, mas una, que passe de fronteira a traço de união entre Portugal e Espanha. Para isso necessitamos de investimento que integre as populações das duas margens, que crie uma rede viária ligando todos os monumentos e sítios históricos que se situam em ambas os lados das Arribas, muitos deles pré-históricos. Neste domínio, é premente concluir de vez o IC5, ligando-o a Zamora.