Mário Tavares da Silva, Jornal i
Nunca, como agora, sentimos de forma tão pungente, a nossa ignorância, o nosso desconhecimento, o nosso medo. Neste imenso areal cósmico em que sem norte deambulamos, faz-nos bem, por vezes, recordar, o quão pequenos somos face à vastidão do universo que nos cerca.
Por estes últimos meses, vivemos todos, fruto da pandemia, num autêntico e imparável turbilhão. Não sabemos o que o futuro nos reserva e, muito menos, como será esse novo amanhecer pelo qual todostanto ansiamos. Sem vírus, sem máscaras, sem distanciamento social, enfim, sem medo.
A questão maior é de uma simplicidade atroz. Voltará a vida a ser como dantes?
Voltaremos nósa abraçar os que mais gostamos? Voltaremos nós a beijar a mulher que tanto amamos? Voltaremos nós a sorrir,com a inocência de uma criança, numa festa de velhos amigos? Voltaremos nós a despedirmo-nos dignamente dos que nos deixam saudades? São tantas as perguntas e tão poucas, ou quase nulas, as respostas. Nunca, como agora, sentimos de forma tão pungente, a nossa ignorância, o nosso desconhecimento, o nosso medo. Neste imenso areal cósmico em que sem norte deambulamos, faz-nos bem, por vezes, recordar, o quão pequenos somos face à vastidão do universo que nos cerca. Não passamos de pequenos grãos de areia que, mais tarde ou mais cedo, retornarão ao início, ao ponto de partida, aquele ponto onde tudo começa e ao qual tudo,invariavelmente,retorna. E é,precisamente neste mundo virado ao contrário, que assistimos, impotentes, ao vendaval de fakenews que pululam pelas redes sociais. Elas são vacinas, elas são histórias de conspiração e espionagem sobre a verdadeira origem do vírus, qual guerra oculta que ninguém quer perder e que todos querem ganhar, elas são máscaras que protegem e outras que até contagiam…um sem número de inverdades que, de tanto serem ditas, por aí campeiam como se de verdades se tratassem.
A verdade é que estamos todos fartos…
Fartos do vírus, das fakenews, do confinamento, do teletrabalho, da máscara, enfim fartos de ter medo.Medo do vírus, medo do que ainda virá, impotentes que estamos por conter o enorme flagelo sanitário e económico-social que se atravessa bem diante dos nossos olhos e que tenderá a precipitar-se,ainda mais,num curto espaço de tempo. É por isso que em tempos de excecionalidade, mais do que em qualquer outro, o tempo se convola num bem raro, precioso demais para que o desperdicemos com trivialidades que nada acrescentam ao bem comum. O tempo do confinamento é pois, também, por todas essas razões, um tempo de reflexão, de tomada de consciência da nossa finitude e, sobretudo, um tempo de reaprendermos a viver melhor e de forma bem mais harmoniosa com o planeta e com os nossos semelhantes. O tempo do confinamento é, também, um tempo de nos ouvirmos e de procuramos fazer melhor. Fazer mais e melhor na nossa vida em geral, nas nossas cidades, nos nossos tempos livres, na nossa casa, na relação com os nossos, sobretudos os mais vulneráveis, nas organizações em que trabalhamos, tornando-nos cidadãos e profissionais mais responsáveis, mais conscientes das nossas limitações, das nossas capacidades, dos riscos que emergem dos nossos mais insignificantes comportamentos.
Se é verdade que o tempo do confinamento nos sangra a liberdade, é também inegável que ele nos oferece uma oportunidade imperdível, virtuosa diria mesmo, de procurar reconstruir, na adversidade, um mundo melhor, mais solidário, mais ético e, sobretudo, mais otimista quanto ao legado que ficará para os que a nós se seguirão.
Saibamos, pois, fazer do tempo do confinamento o tempo mais virtuoso do mundo!