António Maia , Visão online
Mas, pergunta-se, estarão as pessoas generalizadamente piores em termos dos seus índices médios de integridade?
“Quem vê caras não vê corações”.
Trata-se de um provérbio muito utilizado entre nós a propósito de situações associadas a uma certa dose de fraude ou, pelo menos, de surpresa, quando temos notícia da ocorrência de determinados pormenores menos abonatórios ou de menor concordância com um certo quadro de expectativas relativamente à actuação de alguém.
“No melhor pano cai a nódoa” é o que por vezes também dizemos relativamente a situações com aquele recorte e quando os envolvidos têm pelo menos algum destaque social.
Vem esta crónica a propósito dos factos que se estão a passar por estes dias aqui ao nosso lado, em Espanha, envolvendo a decisão do rei emérito, Juan Carlos, em abandonar o país, partindo para lugar incerto (que até pode ser em Portugal, segundo alguma comunicação social), em virtude dos sucessivos escândalos noticiosos que têm vindo a público associando o seu nome, e também os de outros familiares da casa real, a alegados “esquemas” de menor integridade, de fraude e mesmo de corrupção.
Há instituições que, pelo simbolismo que representam e pelo posicionamento no contexto das estruturas políticas, sociais e económicas de um qualquer Estado, têm uma espécie de responsabilidade maior junto da sociedade e dos cidadãos no que respeita à exemplaridade, à honorabilidade e até à moralidade. Tendem a ser olhadas como verdadeiros referenciais de respeitabilidade na vida institucional e pública.
E, nessa medida, aqueles que exercem funções nessas instituições devem revelar, a todo tempo, ser detentores de um perfil superior de integridade. Uma capacidade para ser e para estar à altura da exigência e das responsabilidades do exercício dessas funções. Um perfil “à prova de bala”, como alguns defendem.
As funções de natureza política, começando logo pelos mais elevados magistrados de uma nação – a realeza, no caso dos regimes de monarquia, como o espanhol, que está agora “debaixo de fogo”, o Chefe de Estado, ou Presidente da República, como sucede entre nós, e todas as demais funções políticas, como Chefes de Governo, Ministros, Secretários de Estado e Deputados – encontram-se nestas circunstâncias.
Mas também se encontra nas mesmas circunstâncias o exercício de funções no âmbito da esfera da justiça, designadamente Juízes, Magistrados, Polícias e Advogados, ou o exercício de funções na área da saúde, de que se destacam os Médicos e os Enfermeiros, para citar apenas algumas.
Na realidade, todas as instituições, e o exercício de funções em nome da sua causa, requerem este mesmo pressuposto. Integridade e respeito pelo outro.
E é do cumprimento desta dicotomia por todos os que servem uma qualquer instituição (pública ou privada) que se constrói e alimenta a credibilidade e a confiança das instituições junto dos cidadãos e da sociedade.
Ao contrário, a prática e sobretudo o conhecimento público de actos que desrespeitem um ou ambos os critérios, desacreditam a instituição e minam essa componente tão nevralgicamente importante que é o “capital de confiança”.
E os casos com recorte de suspeição de alegadas situações de fraude e de corrupção têm-se acumulado enormemente nos últimos anos um pouco por todo o lado e envolvendo todo o tipo de instituições.
Temos, para referir exemplos recentes de Portugal, notícias de sinais de ausência de integridade e de desrespeito pelo outro nas estruturas da Justiça, com situações publicamente conhecidas envolvendo juízes, Magistrados e Polícias, nas instituições bancárias, com situações de fraude na gestão bancária pelos próprios banqueiros e de gestão irregular e abusiva das contas e dos depósitos das poupanças – nalguns casos as poupanças de uma vida – de alguns clientes, na Igreja, com suspeições de diversa ordem envolvendo sacerdotes, na política, com alguns Ex-Ministros envolvidos em polémicas relativamente a decisões que tomaram alegadamente em benefício de determinados interesses particulares. Enfim, a listagem tem vindo a engrossar e a alongar-se com o tempo e poucas, se ainda existirem, são as instituições que possamos presumir “imaculadas”, no sentido de não se lhes conhecer nada, rigorosamente nada, de suspeição no exercício da sua acção por qualquer dos seus dirigentes ou colaboradores.
O cenário que acaba por derivar de toda esta sequência de suspeições é de tal forma exaustivo que por vezes se pode ficar com a noção que o mundo como o conhecemos está prestes a ruir, ou a entrar numa qualquer nova dimensão, tal a cadência de sinais de falta de ética de integridade que se têm registado.
Mas, pergunta-se, estarão as pessoas generalizadamente piores em termos dos seus índices médios de integridade?
Tenho uma certa percepção que a resposta a esta questão é ainda negativa, ou seja que as pessoas terão sido sempre assim. Umas tendencialmente mais íntegras e outras nem tanto, como verifiquei anteriormente em Contexto e determinantes da corrupção - a educação como factor preventivo. E, para as menos íntegras, praticar um acto de fraude será “apenas” uma questão de oportunidade.
Simplesmente agora há mais notoriedade dos casos. Pelo menos de alguns casos, daqueles cujos suspeitos exercem funções e ocupam posições importantes nas estruturas orgânicas das entidades associadas às situações sob suspeita.
Na realidade a possibilidade de existirem pessoas menos íntegras de carácter em qualquer instituição não é nula nunca. Nunca! Por isso nenhuma instituição se pode arrogar estar numa posição de presumir uma espécie de imunidade natural a problemas desta natureza.
Sãos as pessoas que fazem e constroem as instituições e não o contrário, como se referiu anteriormente, ou seja “o hábito não faz o monge”.
A integridade deve presumir-se como pressuposto basilar das relações interpessoais que estabelecemos permanentemente uns com os outros. A abordagem do outro, seja em que circunstância for, não poderá nunca partir de um pressuposto diferente. De um pressuposto de desconfiança, sob pena de passarmos a viver num estado de permanente e generalizada insegurança sobre tudo e sobre todos.
Mas o estado de presunção da integridade não confere por si só nenhum grau de certeza quanto à presença dessa mesma integridade. Longe disso. Por isso medidas como a transparência, o controlo, a gestão e prevenção de riscos são de importância nevrálgica em qualquer instituição.
A Ética e a integridade não são realidades que se bastem pela simples afirmativa. A sua presença tem sobretudo de ser confirmada e efectivada por todos e de forma permanente!