Silvério Cordeiro, Jornal i

Faltou à Europa construir uma união política dotada de órgãos próprios, capazes de impor os valores da solidariedade e da coesão.

É um facto que o Covid-19, não só ameaça a nossa existência como está a instalar o Pânico, tal como sucedeu em 1918 com ”a pneumónica” ou a “gripe espanhola”. Para alguns, trata-se de uma espécie de purga, que de 100 em 100 anos, ameaça a humanidade e ceifa sobretudo os doentes e os idosos.

Os países fecham as fronteiras, os sistemas de saúde entram em colapso, a economia paralisa e as pessoas ficam “fechadas” em casa.

É neste contexto que os comentadores e analistas políticos, admitem que o coronavírus pode ser o fim da União Europeia, porquanto teima em não reagir, ou reage muito lentamente, criando a sensação de um vazio de poder.

Com efeito, os países europeus não se entendem na política a seguir. Os países do Norte liderados pela Holanda, mas apoiados pela Alemanha, Finlândia e Áustria, opõem-se à criação de mecanismos capazes de evitar a derrocada económica dos países mais frágeis, por sinal, os que mais são atacados pela pandemia.

Os países do Sul-Itália e Espanha, acompanhados por outros, como Portugal e com assentimento de outros, como a França, pretendem a criação de eurobonds, ou coronabonds, capazes de mutualizar a dívida, rejeitando programas de ajustamento, impostos a Portugal e Grécia, aquando da crise de 2008-2012 e que deixaram estes países exangues.

Verdade é que este conflito entre o Norte e o Sul da Europa sempre existiu. Conhecemos bem o aparte do Ministro das Finanças holandês que referia que os habitantes do Sul só se importavam com vinho e mulheres. É uma afirmação que reflete Max Weber em “O Protestantismo e o Espírito do Capitalismo”, que sublinha que as seitas protestantes acreditavam que o sucesso económico era sinal da salvação da alma. Esquecem-se que a civilização europeia nasceu no Sul, os quais tinham os do Norte como bárbaros.

Mas o problema não resulta apenas da afirmação desbocada do ministro holandês. O problema está no âmago da própria União Europeia, a qual criou um mercado com uma moeda que serviu fundamentalmente os países economicamente mais avançados do Norte. Os países do Sul compram os bens produzidos no Norte e quando não foram capazes de pagar foi-lhes imposto um ajustamento com base em austeridade. Mas sem mercado a quem vendem os alemães os seus carros e os holandeses as suas tulipas?
Efetivamente, faltou à Europa construir uma união política dotada de órgãos próprios, capazes de impor os valores da solidariedade e da coesão. Entregue ao intergovernamentalismo, torna-se incapaz de tomar decisões em tempo e com eficácia. É todo um jogo de interesses entre os 27 países. Isto não é mau, mas é quase nada.

Muito recentemente o Expresso afirmava que os países da União Europeia estão perante um desafio existencial: ou avançam no sentido da comunidade, percorrendo caminhos há pouco impensáveis, ou fragmentar-se-ão numa anarquia apocalíptica.

Em jeito de atenuar este risco latente, esperam-se agora largas dezenas de milhares de milhões em fundos para investimento e desenvolvimento. No caso de Portugal, esperamos que esse dinheiro não seja desbaratado como sucedeu com os Fundos Europeus na década de 90, porquanto esse dinheiro pouco ou nada alterou o nosso perfil económico tanto na escala europeia como na escala global.

Não obstante, estou em crer que vivemos um tempo e um mundo muito frágil, que não permite fazer previsões e conjeturar o futuro.