Tiago Marcos , Visão online
Quais as medidas e de que forma devem ser adotadas pelo Governo para reagir à atual crise económico-financeira, que não tem precedentes, de forma ética para com cidadãos, residentes e contribuintes?
Conforme repetidamente badalado, a crise sanitária que vivenciamos originou uma crise económico-financeira cuja total extensão e profundidade ainda está por conhecer, apesar de se prever que seja de difícil resolução. Ainda assim, importa refletir sobre a tipologia de medidas que devem ser adotadas pelo Governo para reagir à atual situação sem precedentes, de modo a que esta reação seja ética para com cidadãos, residentes e contribuintes.
Na minha opinião (e com certeza existem diferentes visões sobre o tema), a política económica governamental deve ser contracíclica, i.e., numa altura de pandemia económica, o governo deve apresentar uma política económica expansionista (por contraposição a uma política contracionista e de austeridade) e investir, de forma sustentável, o aforro que deveria ter sido realizado em momentos economicamente mais prósperos (no nosso caso, considero que se deve evitar o mais possível a contratação de mais divida pública, face ao atual volume já existente). Desta forma, o Estado poderá tomar medidas para potenciar a dinamização dos mercados transacionais, para empresas e famílias, numa altura em que este dinamismo deverá ser o mecanismo necessário ao tão desejado regresso à prosperidade económica.
Mas quais são as características de uma política económica expansionista para que possa ser considerada ética?
Na minha opinião, o primeiro e principal fator a considerar é a sustentabilidade das medidas a adotar, i.e., é expectável que uma política expansionista permita criar os dinamismos necessários à ultrapassagem de uma crise conjuntural sem nunca colocar em causa a sustentabilidade estrutural das finanças públicas (ou, pelo menos, sem agravar a insustentabilidade crónica das finanças públicas portuguesas). Não podemos comprometer ainda mais a capacidade financeira das futuras gerações pela contratação de ainda mais dívida pública (estimada pelo Instituto Nacional de Estatística em 117,7% da riqueza produzida no país em 2019).
Por outro lado, é desejável que as políticas públicas sejam compostas por um conjunto de medidas concretas que sejam coerentes entre si e que não potenciem, em si mesmas, distorções da justiça económico-social. Neste capítulo, podemos analisar alguns vetores…
No que respeita à política fiscal, importa relembrar que a carga fiscal em Portugal tem continuadamente aumentado, tendo sido estimado pelo Instituto Nacional de Estatística que, em 2019, o Estado se “apropriou” de 34,8% da riqueza produzida no país, fruto do trabalho dos contribuintes nacionais. Logo, importa não cair na incoerência de, por exemplo, aumentar o investimento público (política expansionista) e, aumentar ainda mais a carga fiscal (política contracionista) como efeito compensador. Temos de nos lembrar que os contribuintes, que suportam a carga fiscal, são os mesmos agentes que realizam as transações que importa dinamizar para ultrapassar os tempos de crise.
Importa ainda realçar que, com esta ideia, não defendo que não haja medidas de redistribuição de rendimentos para favorecer os cidadãos mais desprotegidos, tão importantes em tempos de crise, mas que o Estado deve maximizar a eficiência na utilização das contribuições e impostos que já arrecada, antes de ponderar aumentar a carga fiscal, que historicamente já é muito elevada.
E, em tempos de crise, falar de eficiência na gestão das contribuições e impostos implica falar do combate à fraude e à evasão fiscal, em especial atendendo a dois fatores inerentes à crise económica (para além dos inúmeros benefícios inerentes ao combate a estes fenómenos): as dificuldades financeiras que advêm da crise levam muitos agentes a terem mais comportamentos fraudulentos, avolumando os custos associados para os setores público e privado; e, potencia a deteção de mais situações de fraude (presentes e passadas), face ao menor orçamento que, em média, está disponível e ao inerente maior controlo financeiro. Logo, julgo ser essencial apertar o cerco ao crime financeiro e aos custos inerentes, angariando poupanças e a recuperação de valores desviados pelas atividades ilícitas, antes de se concluir que existe falta de capacidade orçamental numa determinada entidade ou setor, o que, por exemplo, pode ser realizado por investimentos na adoção de legislação antifraude, na capacitação de autoridades policiais e judiciais e na sensibilização dos cidadãos.
A respeito da badalada capacitação orçamental dos serviços públicos, os nossos governantes teimosamente tendem a discutir esta medida de forma enviesada, discutindo se o valor absoluto dos orçamentos subiu ou se é suficiente, sem nunca abordar o nível de eficiência ou os benefícios dos investimentos previamente realizados. De facto, cada investimento deveria ser individualmente analisado, com base nos seus riscos e méritos, antes e depois de ser concretizado, tal como um cidadão prudente faz com o seu próprio dinheiro. Nesta medida, convém realçar que, para um beneficiário, é indiferente se um serviço público tem mais ou menos capacidade orçamental, se for possível receber o mesmo tratamento com igual ou superior qualidade por um custo inferior, não sendo este fator, naturalmente, indiferente para o contribuinte, que suporta este custo.
Se ainda assim, após a adoção de medidas de combate à fraude e evasão fiscal e de maximização da eficiência dos investimentos, se verificar falta de capacidade orçamental, e antes de se discutirem os inerentes aumentos, devem-se revisitar as cativações orçamentais feitas pelo Estado central, que tanto enviesam a transparência orçamental do Estado e dos organismos que dele dependem.
Por fim, no que respeita à política remuneratória, aplicável ao Estado local e central e ao respetivo setor empresarial (frequentemente dependente de contribuições estatais), sou da opinião que importa remunerar de forma competitiva os bons profissionais, o que frequentemente não se verifica. Ainda assim, para serem considerados aumentos salariais, em especial em tempos de crise, importa avaliar se são justos, sustentáveis e se remuneram o mérito, beneficiando quem o merece de acordo com mecanismos independentes de avaliação de resultados. Estas medidas, em regime de meritocracia podem, não só dinamizar a economia, como também incrementar a eficiência laboral.
No final do dia, independentemente das políticas adotadas pelo Governo, acredito que depende de cada um de nós voltar a dar o exemplo e contribuir para a construção de uma sociedade mais ética e justa que nos permita ultrapassar de forma sustentada a crise económica, sem nunca esquecer as medidas a adotar para ultrapassar a (ainda) atual crise sanitária, criando um ciclo de pandemia ética.