Óscar Afonso, Expresso online (068 22/04/2020)

Perante a existência de duas crises: uma sanitária, de emergência, e outra lateral, que é a económica, vivemos no contexto de imensa incerteza e, nesta crónica, procuro detalhar os cenários mais previsíveis para a evolução da Economia Portuguesa nos próximos dois anos. A ocorrência de um dos cenários, em particular, decorre das medidas que foram tomadas desde o início da fase de forte contágio e das que irão ainda ser implementadas – testar ou não, que tipo de teste, usar sempre máscara ou não, quem deve fazer testes, e que medidas de política económica ainda irão ser conduzidas.

É mais ou menos consensualque, em termos económicos, pode ocorrer um de quatro cenários, sendo que, como sempre acontece nestes casos, para um determinado nível de quebra, dois são mais moderados (recuperação em “V” ou em “U”) e dois são mais extremos (recuperação em “W” ou em “L”). Seja qual for o contexto, os otimistas apontam para uma recuperação em “V”, significando que a retoma é tão rápida quanto a quebra, ou para uma trajetória em “U” implicando algum tempo de recessão seguido de recuperação rápida, embora mais tardia. Os mais pessimistas acreditam que o crescimento global pode seguir um caminho em “W” ou “L”, ou até outro mais distorcido com pouca semelhança com estas quatro letras. Para além de descrever, informando os leitores, sobre o que está em causa em cada caso, acredito, como justificarei, que o formato que melhor irá descrever o processo português será o do “logótipo da Nike”.

No contexto da pandemia Covid19, quanto mais se investir em medidas de contenção que eliminem rapidamente o vírus, menor será o custo económico associado à paralisação geral da atividade económica e mais provável é o cenário em “V”. Na descrição dos cenários atende-se ao facto de que mais tempo de confinamento provoca maior redução das horas trabalhadas, maiores custos associados à interrupção de cadeias de produção e, por conseguinte, maiores custos de produção e maior probabilidade de falências e desemprego. Além disso, haverá maior redução do consumo, sobretudo nos serviços e por adiamento de decisões de investimento das famílias, bem como maior redução do investimento das empresas. Paralelamente, supõe-se que haverá maior prudência do setor financeiro na atribuição de crédito. Ao nível das contas públicas haverá um maior agravamento do défice orçamental e, portanto, da dívida pública face às despesas para combater a pandemia, ao aumento do desemprego, ao apoio público na recuperação da atividade económica e à menor receita arrecadada com impostos. Acresce que, devido à interconexão global da atividade económica a nível mundial, um maior confinamento nos nossos parceiros comerciais provoca ainda maior redução das exportações, maior rutura de processos produtivos dependentes de importações de produtos intermédios e, claro, há que atender também à redução do turismo pelo confinamento interno e externo.

Detalhando agora os cenários, o cenário em “V” assume que são seguidos os passos da China, pondo fim aos bloqueios assim que a curva de novas infeções é achatada. Neste caso, pressupõe-se que um rápido regresso à normalidade se concretize até aos primeiros dias de maio. Este cenário pressupõe também que o vírus não regressa no inverno, ou porque uma proporção maior do que a esperada de pessoas já teve o vírus e adquiriu imunidade, ou porque as medidas de controlo se tornam muito mais eficazes. Seja como for, haverá perdas económicas que não serão imediatamente compensadas. Mas, com medidas de políticas orçamentais e monetárias de sustentação da recuperação apropriadas pode promover-se uma recuperação rápida e forte. Trata-se efetivamente de um cenário de recuperação rápida, ainda que os estrangulamentos ao nível de oferta de trabalho, coordenação das cadeias de produção e transportes não se ultrapassem imediatamente. Assim, a procura reprimida dispara, impulsionada pelos estímulos orçamentais e monetários implementados. Fábricas e serviços retomam as operações sem problemas, porque os esforços de governos para impedir que as empresas despeçam trabalhadores são bem-sucedidos. As expectativas dos investidores, dos empresários e dos consumidores conseguiram resistir.

Face ao cenário anterior, o cenário em “U” implica mais tempo na inversão a caminho da recuperação, assente no pressuposto de que o governo decide flexibilizar as medidas de recolhimento social muito lenta e progressivamente. O regresso à normalidade é, pois, gradual e o distanciamento social continua pelo menos durante todo o verão. Uma parte dos que podem trabalhar a partir de casa continuarão a fazê-lo num futuro previsível. Entretanto, os locais onde se pode socializar (cafés, bares, cinemas, etc.) começam a abrir com regras estritas de distanciamento e as viagens globais continuam a ser restritivas. Uma combinação da capacidade de teste mais alargada e uma maior capacidade dos serviços de saúde críticos, com a experiência acumulada, permitirá evitar o eventual bloqueio total se o vírus voltar a propagar-se à medida que nos aproximamos do inverno. Assim, embora a procura reprimida seja libertada, em parte pelo estímulo do governo e bancos centrais, pressupõe-se que os consumidores demoram algum tempo para voltar às lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais. As fábricas e outras empresas demoram a retomar a capacidade total e nem todos os empregos perdidos na crise são recuperados. O comércio internacional também permanece fraco, pois os parceiros comerciais também levam tempo a recuperar.

A recuperação no caso do cenário “W” baseia-se no pressuposto de que haverá regresso ao recolhimento social no inverno. Assume-se que, por esta altura, haverá uma flexibilização gradual e muito progressiva das medidas de encerramento, mas o vírus regressa em força no outono e, apesar dos esforços de teste e de rastreio de contactos mais generalizados, a nova propagação empurra a economia de novo para o confinamento. Tal significaria a reintrodução de restrições, o retorno da incerteza e o encerramento de locais de trabalho e empresas de serviços. O resultado será uma recuperação seguida por nova recessão. A gestão da crise de inverno seránaturalmente mais experiente do que na primavera eas medidas de contenção poderão, por isso, ser mais específicas, mantendo algumas regiões e setores em funcionamento. A título indicativo, a ocorrer este cenário, pode acontecer que seja necessário esperar até março de 2021 para que o vírus volte a estar sob controlo e a economia comece a regressar à normalidade.

O cenário de recuperação em “L” considera que as medidas de encerramento flexibilizadas entre finais de abril e princípios de maio se revelaram desastrosas e que o confinamento acaba por durar até ao final do ano só voltando ao normal a partir de março do próximo ano. Nesse cenário, os consumidores continuam a reduzir gastos com serviços, as dívidas acumuladas antes ou durante a crise tornam-se difíceis de pagar, desencadeando uma espiral de incumprimento e recuperações judiciais que poderiam levar a uma crise de crédito. O longo tempo de confinamento provoca enorme redução das horas trabalhadas, dos custos associados à interrupção de cadeias de produção e a inúmeras falências, fazendo disparar o desemprego.A recuperação muito tardia pode, depois, ser um pouco mais rápida e forte do que nos outros cenários, assumindo-se que o vírus ficará completamente sob controlo. Escusado será dizer que se trata de um cenário extremo, com muita agitação económica, social e política, e que, por isso, parece bastante improvável nesta fase. A economia sofreria uma contração sem precedentes e quase inimaginável.

Em face das medidas tomadas para conter a propagação do vírus, da estrutura produtiva e das medidas de política económica para aliviar e acelerar o processo de recuperação, acredito que a recuperação portuguesa possa resultar num formato diferente dos tradicionalmente descritos. Acredito na ocorrência de um cenário em “logótipo da Nike”, com uma quebra inicial muitíssimo abrupta porque o confinamento foi, e bem, severo e porque a estrutura produtiva portuguesa é frágil e muito dependente do exterior – em particular, do desaparecido turismo. Este caso aponta para que a queda abrupta inicial seja recuperada muito lentamente e para que o nível de produção económica permaneçaabaixo do nível da tendência pré-crise pelo menos até 2022/2023. Sei que muitos permanecem em negação e que outros tantos acham ter sido feito o devido. Interrogo-me se um país com uma estrutura produtiva tão frágil, assente em micro e pequenas empresas, com uma taxa de poupança tão reduzida e dívidas pública, privada e externa colossais devia ter optado pela solução mais fácil de colocar todos em casa até maio. Não deveria ter conduzido medidas mais específicas de proteção e segurança dos idosos e dos mais vulneráveis em relação à restante população e ter atendido à incidência regional da pandemia? É certo que poderá ter achatado a curva de contaminação, não colocando em causa o Serviço Nacional de Saúde, mas tal não poderia ter sido igualmente possível com menores custos?

Pelo que se vislumbra vir a ser a ajuda da União Europeia e a (in)capacidade do governo nacional face à dívida pública existente e à pressão dos mercados, muitas empresas nunca mais retomarão a sua atividade e a incerteza será permanente com consumidores e investidores muito cautelosos, especialmente se tiverem que pagar dívidas. Podem dizer-nos que não haverá austeridade se isso significar uma eventual ausência de cortes nos salários dos funcionários públicos, mas o que interessa o conceito havendo incapacidade do Estado para ajudar os mais penalizados pela paragem económica? A queda abrupta que a decisão seguida determinou, a posição de partida e as (insuficientes) medidas de estímulo económico determinarãouma recuperação muito mais lenta que a que irá ocorrer, por exemplo, na Alemanha, Holanda ou Finlândia. Estes países, onde a quebra não terá sido certamente tão acentuada – possuem estruturas produtivas mais fortes, não dependem do turismo, a dívida pública é menor e não há risco de pressão pelos mercados – estão a anunciar medidas com um impacto orçamental direto impensáveis em Portugal: 4,4% na Alemanha, 2,7% na Holanda e 1,7% na Finlândia. Podem, pois, fazer-nos crer que não haverá austeridade, mas haverá então um enorme “aperto do cinto”!