Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Podem levar-nos a acreditar que não haverá austeridade, mas não nos livramos de um enorme “aperto do cinto”
Em 2008 a crise surgiu no sistema financeiro e, por causa disso, os Bancos Centrais foram capazes de salvar o sistema financeiro e a economia com injeções massivas de liquidez, suavizando, desse modo, a queda da produção. Pelo contrário, a crise atual, provocada pela disseminação do corona vírus, teve início na esfera produtiva, porque teve de parar depois do bloqueio imposto pelo governo para combater a pandemia e proteger vidas, e acabará por ter necessariamente impacto no sistema financeiro.
Quem, no início da pandemia, insistia em afirmar “vai ficar tudo bem”, creio que já terá compreendido que tal não passava de um slogan motivacional. Sei que muitos ainda permanecem em negação, mas porque quase toda a atividade económica não essencial foi interrompida, a crise já se revela na situação financeira terrível em que muitos portugueses se encontram. A economia portuguesa já se encontrava em dificuldades antes da pandemia, pois tinha (e tem) uma estrutura produtiva frágil, dependia imenso da atividade turística trabalho-intensiva, e não foi capaz de diminuir o volume da dívida.
Perante o novo cenário de crise na produção e no consumo, diversos governos apostam na utilização massiva da política fiscal, acreditando, e bem, que o combate aos efeitos económicos e sociais da crise passa por operações fiscais ousadas. Paralelamente, consideram que é necessário ampliar a oferta de crédito sem colocar em causa que o sistema bancário está sempre limitado pelo risco do crédito. A Alemanha, a Holanda ou a Finlândia, por exemplo, onde a quebra de produção não terá sido certamente tão acentuada como em Portugal – possuem estruturas produtivas mais fortes, não dependem do turismo, a dívida pública é menor e não há risco de pressão pelos mercados – estão a anunciar medidas com um impacto orçamental direto que são impensáveis em Portugal: 4,4% do PIB na Alemanha, 2,7% na Holanda e 1,7% na Finlândia.
Perante a ameaça da pandemia, Portugal teve uma vantagem temporal, podendo, previamente, observar o impacto do Covid19 noutros países e adotar medidas eficazes para enfrentar o surto, adaptando o “subfinanciado” Sistema Nacional de Saúde. Apesar da situação precária de muitas habitações, da informalidade que existe no mercado de trabalho português (quando comparado com o dos países mais desenvolvidos da União Europeia) e da vulnerabilidade social, o isolamento social ocorreu e “correu bem”. Interrogo-me até se um país com uma estrutura produtiva tão frágil, assente em micro e pequenas empresas, com uma taxa de poupança tão reduzida e dívidas pública, privada e externa colossais devia ter optado pela solução mais fácil de colocar todos em casa até maio. Não sei se não deveria ter conduzido medidas mais específicas de proteção e segurança dos idosos e dos mais vulneráveis em relação à restante população e ter atendido à incidência regional da pandemia. Com o procedimento seguido achatou naturalmente a curva de contágio, não colocando em causa o Serviço Nacional de Saúde, mas será que o mesmo cenário não poderia ter sido igualmente possível com menores custos económicos e sociais?
Em face das medidas tomadas para conter a propagação do vírus, da estrutura produtiva, da capacidade das famílias e das empresas, e das medidas de política económica para aliviar e acelerar o processo de recuperação, acredito que a recuperação portuguesa possa resultar num processo muito lento. A quebra de atividade económica inicial foi muitíssimo abrupta porque o confinamento foi severo e porque a estrutura produtiva portuguesa é, como referido, frágil e muito dependente do exterior – em particular, do desaparecido turismo.
Pelo que se afigura vir a ser a ajuda da União Europeia, a incapacidade dos agentes económicos nacionais porque, num passado recente, a poupança parece que foi tida como algo de retrogrado, e a (in)capacidade do governo nacional face à dívida pública existente e à pressão dos mercados, muitas empresas nunca mais retomarão a sua atividade e a incerteza será permanente com consumidores e investidores muito cautelosos, especialmente se tiverem que pagar dívidas.
A queda abrupta que a decisão seguida determinou, a posição de partida e as (insuficientes) medidas de estímulo económico determinarão uma recuperação certamente muito lenta. Assim, como costumo dizer, podem levar-nos a acreditar que não haverá austeridade, mas não nos livramos de um enorme “aperto do cinto”. Espera-se que, pelo menos, o governo preserve o rendimento dos mais vulneráveis, embora pareça seguir o caminho contrário.