Ana Clara Borrego, Jornal i
Não posso deixar de homenagear o trabalho árduo (e invisível, à generalidade da sociedade) desenvolvido pelos contabilistas portugueses, nesta situação de crise, junto de um tecido empresarial composto, essencialmente, por sociedades de pequena dimensão e trabalhadores independentes, os quais dependem, integralmente, do trabalho destes profissionais, para interagir com a segurança social e a banca.
Como tem sido, amplamente, referido, o novo coronavírus SARS-COV-2, para além da doença provocada nos humanos, compromete, de forma severa, a “saúde” (em alguns casos já débil) da economia dos países afectados pela pandemia.
O encerramento compulsivo de muitas atividades económicas e o fecho (ou abrandamento) de outras, por inexistência de clientes, de matérias-primas, de encomendas, entre outros motivos, prometem fazer cair a economia mundial numa recessão sem precedentes, a qual só encontra alguma semelhança nas recessões provocadas pelas guerras mundiais.
Portugal, quando comparado com outros países, tem sido poupado aos efeitos mais severos da doença e da mortalidade que lhe está associada. Porém, do ponto de vista da “saúde” da economia, não se espera que Portugal venha a ser poupado à recessão económica anunciada – pelo contrário, a fragilidade, de que já padecia a nossa economia, faz adivinhar tempos muito difíceis, numa recessão económica cuja dimensão é, para já, impossível de determinar.
Neste contexto trágico em que vivemos, de uma pandemia como nunca tínhamos vivenciado, a sociedade tem sabido agradecer e enaltecer o trabalho árduo de médicos, enfermeiros e restante pessoal dos hospitais, no seu combate diário e heroico pela preservação da vida e saúde humana da comunidade. Outros profissionais, devido à visibilidade e exposição mediática dos seus esforços, têm recebido, também, o reconhecimento da sociedade, como os bombeiros, as forças policiais, os militares, os funcionários de lares de terceira idade e todos aqueles que permitem que tenhamos bens alimentícios e de primeira necessidade à nossa disposição no pouco comércio que, ainda, se mantém em funcionamento.
Sem pretender fazer comparações com o trabalho de risco daqueles que previamente referi, aos quais a sociedade nunca terá capacidade para agradecer o suficiente, é de salientar que, enquanto sociedade, não podemos esquecer aqueles que, neste momento difícil, procuram salvar o que é possível da nossa débil economia: os contabilistas. Assim, não posso deixar de homenagear o trabalho árduo (e invisível, à generalidade da sociedade) desenvolvido pelos contabilistas portugueses, nesta situação de crise, junto de um tecido empresarial composto, essencialmente, por sociedades de pequena dimensão e trabalhadores independentes, os quais dependem, integralmente, do trabalho destes profissionais, para interagir com a segurança social e a banca, bem como para compreenderem a legislação que lhes passou a ser aplicável, a qual tem sido publicada em catadupa desde o início da epidemia.
Neste tempo em que vivemos, que, na minha opinião, do ponto de vista económico, já pode ser apelidado de “economia de guerra”, os contabilistas têm feito um notável trabalho de trincheira, sendo norteados por dois grandes objectivos: minimizar os estragos na economia e salvar o máximo possível de postos de trabalho, lidando com a máquina burocrática que não se adaptou convenientemente à urgência das medidas necessárias. Com o intuito de atingir tais objectivos, estes profissionais têm de manter muitas empresas em “coma induzido”, recorrendo a processos de lay-off, de apoio extraordinário à redução da atividade económica, ou outras medidas excecionais no âmbito da crise do covid-19, processos estes, que na maioria das empresas portuguesas, são tratados e acompanhados pelos contabilistas.
Estes profissionais e a sua Ordem têm tido um outro papel de extrema relevância no atual contexto: enquanto profundos conhecedores do tecido empresarial português, têm alertado o governo para a desadequação e complexidade de implementação de algumas medidas tomadas no contexto económico, bem como, procurado despertar as consciências para a necessidade de alargar os apoios e torná-los mais céleres, uma vez que, muitos destes não estão adequados à realidade e dimensão das nossas empresas, e que outros, devido à burocracia que lhes está associada, não chegarão às empresas em tempo útil.
Por fim, os contabilistas têm vindo, também, a denunciar a postura de muitas entidades bancárias, as quais, numa atitude de aparente alheamento em relação à realidade catastrófica em que vivemos, continuam a burocratizar e a dificultar processos que deveriam estar simplificados e céleres.
Não tenhamos ilusão caros leitores, no contexto atual, mais do que nunca, temos de ter noção que a sociedade é um ecossistema, pelo que não podemos almejar retomar minimamente à “normalidade” a que nos habituámos, se a economia, para além de mais frágil, não estiver a funcionar, a produzir, a manter postos de trabalho, a movimentar dinheiro e a pagar impostos e segurança social. E a economia, caros leitores, faz-se, essencialmente, de empresas... se a maioria do tecido empresarial não sobreviver, vamos ter uma onda de desemprego sem precedentes.