Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Para “exigir” a solidariedade da União Europeia, o Estado deve ser solidário dentro das fronteiras do Estado-nação, assim como a população entre si
A pandemia da COVID-19 tem acabado com milhares de vidas por todos os continentes e praticamente paralisou a economia mundial. Vivem-se tempos de muita incerteza e insegurança, pelo que chegou a hora de mostrar a força do que nos torna humanos e, portanto, de todos sermos mais solidários.
Na generalidade dos países, à medida que os governos têm vindo a decretar a quarentena obrigatória, as populações têm-se unido e aplaudido os profissionais de saúde, bombeiros, lojistas, e forças de segurança que tanto nos têm proporcionado. Apesar de tudo, também tem sido consensual a necessidade de proteger a população de maior risco como idosos, doentes crónicos ou imunodeprimidos, grávidas, ou outras pessoas mais vulneráveis a este vírus, e são louváveis os que, neste contexto, se predispõe a fazer voluntariado. Por esta altura somos também solidários difundindo informação credível e agindo em conformidade, adotando e mantendo as indicações das instituições competentes para evitar a propagação do vírus, respeitando a contenção social, apoiando pessoas mais velhas, quem tem doenças crónicas e quem trabalha para garantir os serviços de saúde, a cadeia produtiva na área alimentar, farmacêutica entre outras, mas também a recolha de resíduos, o abastecimento da rede de águas, energia e telecomunicações e a ordem e segurança nacionais.
Posto isto, espera-se solidariedade entre Estados no contexto da União Europeia, e do Estado e da população no contexto das fronteiras do Estado-nação. Da União Europeia aguarda-se uma resposta única, que atenda às necessidades dos países mais afetados e mais frágeis, sem que haja agora discussão das razões dessas fragilidades, embora no caso português se tenha revelado, infelizmente, que os sistemas de saúde e económicos eram muito mais frágeis do que se pensava. Dos Estados “exige-se” total rigor no uso dos recursos públicos, sem qualquer tipo de despesismo ou “amiguismo”, e que, com as devidas medidas de política, promovam finalmente uma verdadeira coesão social e territorial do país, a que não estamos habituados. Uma das formas de avaliar o desenvolvimento de um país é pela qualidade dos servidores públicos, que devem ser poucos, bons e promotores da solidariedade dentro do Estado-nação. No imediato seria de esperar um efetivo apoio financeiro a quem vai perdendo rendimento por não poder trabalhar a partir de casa ou por já ter perdido o seu posto de trabalho, o amparo de instituições de solidariedade social e a promoção, sem grandes burocracias, de uma descida imediata e muitíssimo significativa da carga fiscal (IRS, IRC, IVA, IMI e contribuições para a Segurança Social), porque relança a economia ao beneficiar todos na proporção da atividade económica desenvolvida, conjugada, portanto, com o reforço dos subsídios de desemprego, do pagamento de baixas e lay-offs, do apoio ao pagamento de rendas e prestações de empréstimos da compra de casa, entre outros. Da população (trabalhadores e empresários), deseja-se que pelo menos quem tem a sorte de manter rendimentos esteja disponível para contribuir, solidariamente, para a mitigação da austeridade dos outros, e que não haja nunca aproveitamento de medidas e de fragilidades.
Acredito que para “exigir” a solidariedade da União Europeia, o Estado deve ser solidário dentro das fronteiras do Estado-nação, assim como a população entre si. Se for para Portugal ser apoiado pela União Europeia e internamente houver despesismo e forem apenas alguns – e sempre, os mesmos – a suportar o fardo da crise então, a meu ver, perde-se toda a autoridade moral para “exigir” a solidariedade de terceiros.