Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios
A conclusão parece clara: o Estado chinês funciona e tem a reserva moral de vontade para enfrentar e superar crises, a União Europeia está cada vez mais bloqueada e sem soluções.
As sociedades humanas enfrentam periodicamente doenças, epidemias e mais raramente pandemias verdadeiramente universais e mortais. A forma como cada sociedade enfrenta estas adversidades naturais mostra a sua natureza, o seu caracter e a sua fibra moral.
Admiramos a rapidez de decisão e ação da China, um país de desenvolvimento médio, com um rendimento per capita muito inferior ao italiano ou ao espanhol, que em tempo record isolou uma província, construiu hospitais e pode mobilizar meios de todas as regiões para combater a epidemia. Os resultados são notáveis, um número de mortos por milhão de habitantes da ordem dos 2 e a contenção da doença na província de Hubei impedindo-a de se propagar internamente.
Na Europa a resposta foi em tudo diferente. Perante um surto numa zona delimitada da Itália a resposta das autoridades locais foi a recusa do isolamento e o lançamento de uma intensa campanha publicitária sob o tema Milão não se fecha (Milano no si ferma) recusando a quarentena e mostrando gente a abraçar-se. Finalmente perante a avalanche de mortos as medidas foram sendo tomadas a conta-gotas garantindo a infeção do restante país e do resto da Europa. Um desastre criminoso.
A União Europeia fracassou completamente e só reage porque o que está em causa agora é a economia alemã. A União mostrou que a economia alemã está primeiro do que a vida das pessoas.
Por outro lado a China mesmo no meio de dificuldades ofereceu-se para ajudar, doando material, enviando profissionais de saúde, oferecendo a sua experiência (que foi liminarmente recusada embora tenha resultado em pleno).
No interior das sociedades a pandemia também está a revelar o pior da sociedade atual. Alguns países deixam os idosos e os doentes em suas casas para que morram isoladamente sem tratamento. Outros criaram critérios de internamento e tratamento que excluem largos grupos, como os pobres, os negros, os imigrantes. É a face mais dura e impiedosa do capitalismo neoliberal ocidental.
Os hospitais e sistemas de saúde colapsam um pouco por toda a Europa muito devido aos enormes cortes orçamentais do longo período da austeridade que foi imposto pela União Europeia e o FMI. Muitas camas foram descontinuadas, muito equipamento está obsoleto, o número de ventiladores diminuto. Nem os profissionais de saúde têm os meios de proteção adequados – vários já morreram.
Nos EUA a não existência de um serviço de saúde de cobertura universal ajuda a espalhar a pandemia e a aumentar a contagem de cadáveres.
Portugal sofre de todos estes males: serviço nacional de saúde destroçado por anos de cortes orçamentais, regras de internamento opacas, enorme desigualdade de rendimentos, exclusão de várias camadas da população do acesso aos cuidados de saúde gratuitos (desde logo muitos dos imigrantes ilegais).
Na Itália muitos desesperados clamam de fome e assaltam os supermercados, em Portugal a não serem tomadas medidas efetivas teremos a mesma situação – populações sem mobilidade (para emigrar, para simplesmente fugir) e sem recursos são um caldeirão prestes a explodir.
Veja-se o caso de muitas empregadas domésticas e outros profissionais precários que perderam todo o seu rendimento. É preciso tomar medidas urgentes.
Estamos no início da pandemia em Portugal. O número de mortos por milhão de habitantes já ultrapassou os 14, sete vezes mais do que na China.
A conclusão parece clara: o Estado chinês funciona e tem a reserva moral de vontade para enfrentar e superar crises, a União Europeia está cada vez mais bloqueada e sem soluções.
Economista