Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Independentemente do mérito e do esforço, o acesso igual a direitos básicos será sempre uma miragem
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O economista americano Robert H. Frank, professor da Universidade Cornell, no livro Success and luck: good fortune and the myth of meritocracy (“Sucesso e sorte: A boa sorte e o mito da meritocracia”) realça a importância determinante das oportunidades que a vida nos oferece. Frank defende que, para obter sucesso, tão fundamental como o talento e o esforço é a sorte. E aqui inclui-se tudo o que escapa ao nosso controle, como nascer numa família rica e, em Portugal, no litoral de modo a frequentar, em média, melhores escolas.
Na opinião do autor, tal é particularmente evidente e tem consequências piores nos países onde a desigualdade social é maior — como o caso português no contexto europeu. O mercado de trabalho, por exemplo, funciona como uma competição para a qual cada um de nós começa a preparar-se desde a infância. As pessoas acumulam capital humano, termo usado por economistas para denominar as capacidades, competências e atributos de personalidade que favorecem a capacidade produtiva. Para isso, contam com três recursos essenciais: privados, públicos e próprios — daí a importância da educação. Como os recursos públicos e, principalmente, os privados não são os mesmos para todos, o sistema privilegia alguns, mesmo que os recursos próprios (o talento e o esforço) se sobreponham.
Em Portugal, quem, por exemplo, frequenta escolas públicas no interior não tem as mesmas oportunidades – a mesma sorte – de ser bem-sucedido face a quem frequenta as melhores escolas no litoral. Seria de esperar que as políticas públicas corrigissem esta desigualdade e permitissem que todos tivessem mais ou menos as mesmas oportunidades. Infelizmente, todos sabemos que tal não é verdade, independentemente da cor do governo, e na linha do que refere o jornalista britânico James Bloodworth no livro The myth of meritocracy: why working class kids still get working class jobs (“O mito da meritocracia: por que crianças da classe trabalhadora apenas conseguem empregos na classe trabalhadora”) ou do estudo da OCDE “Um elevador social avariado – como promover a mobilidade social”. Assim, independentemente do mérito e do esforço, o acesso igual a direitos básicos, como a educação e a saúde de qualidade, ou o direito ao trabalho adequado, a ter boas condições de transporte e locomoção, entre outros, será sempre uma miragem.
Ainda que os recursos próprios – o mérito ou hard-skills – se sobreponham algumas – poucas – vezes aos recursos privados e públicos, não se sobrepõem geralmente. Usualmente não se sobrepõem quando está em causa um cargo de relevância superior: quem seleciona tem sempre um amigo ou antigo colega de escola que desvaloriza o mérito e, normalmente, quem tem mérito e se esforça não tem tempo, nem tem jeito para o domínio das subtilezas do relacionamento pessoal – os soft-skills.
Em suma, em Portugal, a meritocracia como valor a relevar é um mito, assistindo-se à importância da sorte na reprodução eterna das desigualdades sociais.