António João Maia , Visão online
“Passamos desgraçadamente cerca de um mês por ano a trabalhar só para sustentar a corrupção… É muito!”
A corrupção é um problema grave associado sobretudo à (má) gestão do Estado e das suas estruturas, tanto ao nível do exercício das funções de natureza política (a denominada corrupção política, cujas situações de suspeição têm sido objecto de particular mediatização), como no âmbito do exercício de funções com carácter mais administrativo (a corrupção administrativa ou corruptela, que ocorre ao nível do funcionamento dos denominados serviços público).
O Estado, em traços muito simples, pode ser entendido com a entidade à qual confiamos os nossos valores colectivos mais importantes (históricos, culturais, económicos, sociais, e tantos outros, enfim todos aqueles que de algum modo são as nossas referencias matriciais de identificação grupal), no pressuposto de garantir a satisfação plena, a concretização, desses mesmos valores junto de cada cidadão e na medida das suas circunstâncias e necessidades.
O Estado assume-se assim como entidade com uma natureza suprema, posicionada num plano superior a cada indivíduo, assumindo uma função e uma responsabilidade social que é ao mesmo tempo passiva e activa. É passiva na medida em que é guardião supremo do referido acervo de valores referenciais, e é activa por ser a entidade responsável pela concretização desses mesmos valores na vida quotidiana de cada cidadão e na sociedade.
E é por isso, por assumir essa responsabilidade de concretizar de forma plena os valores colectivos, que o Estado carece de uma estrutura operativa. De uma estrutura que exerça as suas tarefas em nome de todos e em função do interesse de todos.
As tarefas do Estado só podem ser realizadas nesse pressuposto fundamental que é o de garantir a satisfação do interesse geral. O exercício de funções na estrutura operativa da gestão do Estado – tanto de nível político, como de nível administrativo – não pode fazer-se noutro pressuposto nem conceber-se noutro qualquer enquadramento.
A corrupção e os demais crimes que a lei penal prevê para quem exerce funções em qualquer das estruturas da gestão do Estado traduzem violações muito graves àquele pressuposto. Traduzem situações em que o agente da acção do Estado, o servidor público, segundo o conceito assumido por alguns autores relativamente a quem exerce funções desta natureza (seja o político, seja o funcionário administrativo) viola dolosamente aquele pressuposto. A opção por práticas corruptas traduz desde logo a presença de menores índices de integridade por aqueles que as assumem, que preferem optar pela satisfação de interesses próprios ou de terceiros a que se encontrem ligados, fazendo-o à custa da negação da expectativa social de concretizarem a regular acção do Estado. Por isso se assume que, no essencial, qualquer ato de fraude e corrupção na gestão do Estado – e na gestão privada será um quadro em tudo semelhante – decorre de situações de conflitos de interesses.
Por outro lado, importa ainda verificar que a existência e o funcionamento de toda a estrutura de gestão do Estado tem os seus próprios custos inerentes, os quais são suportados pelo esforço dos cidadãos através do pagamento de impostos.
O Estado é assim uma entidade central em qualquer sociedade, e a sua existência estrutura-se em torno do cidadão. É o cidadão que ciclicamente escolhe as lideranças para assegurarem a gestão política do Estado. É cidadão que é destinatário das opções definidas por essas lideranças políticas, e que lhe chegam através das estruturas administrativas. É ainda o mesmo o cidadão que custeia a estrutura de gestão do Estado.
Do ponto de vista do cidadão, e para lá de contrariarem as expectativas do que deve ser a acção e o desempenho do Estado no exercício das suas tarefas, a corrupção e demais crimes conexos representam também custos e perdas financeiras.
O estudo The Costs of Corruption across the EU apresentado em 2018 no Parlamento Europeu mostrou-nos que os custos financeiros da corrupção em Portugal representam cerca de 7,9% do PIB. Este percentual corresponde a um valor de 18,2 mil milhões e €uros, ou seja à quase totalidade do orçamento anual da saúde, e representa praticamente 29 dias do nosso esforço produtivo global em cada ano.
Passamos desgraçadamente cerca de um mês por ano a trabalhar só para sustentar a corrupção… Só para sustentar determinados interesses instalados. Só para alimentar determinadas bolsas.
É muito!
Qualquer valor seria sempre muito elevado. Não só por se tratar do nosso dinheiro e do nosso esforço, mas também e sobretudo porque a ocorrência de corrupção traduz sempre sinais de ineficácia e ineficiência sobre a capacidade do Estado em assegurar cabalmente a sua função. Ela, a corrupção, representa também uma inevitável quebra de confiança nas instituições e nos índices de integridade e de capacidade dos servidores públicos para o cabal e expectável exercício das suas funções.
Confesso, muito sinceramente, que quando fiz as contas que aqui apresento me questionei, admitindo que muitos concidadãos também já passaram pelo mesmo racional, se continua a valer a pena pagar todos os impostos? Se continua a valer e pena esse sacrifício? Sobretudo porque os sinais que vêm da comunicação social nos vão mostrando mais e mais novas suspeições de corrupção.
Visto por aqui, talvez a subsistência de práticas de evasão fiscal, pelo menos uma parte delas, seja motivada por alguns sentimentos de injustiça e até de legítima defesa. Se o Estado tende a manter sinais de corrupção, então o cidadão sente alguma “justiça relativa” em ficar na posse de valores de imposto que legalmente teria de suportar…
O art.º 32º do Código Penal prevê a possibilidade de legítima defesa relativamente a um crime de que se esteja a ser vítima, fazendo-o nos seguintes termos – Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.