Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Face ao estado calamitoso, a mudança exige ação, uma reforma profunda do sistema político, que é já uma espécie de revolução

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Como é do conhecimento geral, os políticos portugueses são cada vez mais profissionais no sentido em que nunca tiveram um emprego de responsabilidade fora da política. Na maioria dos casos começam por militar nas juventudes partidárias, foram criando a rede de amizades pretendida e tiraram um curso superior – se possível pouco exigente -- porque “precisam” ser licenciados (é a fase da convivência com o sistema). Tal como qualquer profissional que pretende chegar ao topo da carreira, também a realização pessoal dos políticos profissionais passa por exercer um cargo político reconhecido pela sociedade ou, quando não é o caso, exercer um lugar de destaque na administração pública decorrente da ligação partidária. Ao contrário de qualquer outro profissional, tal desiderato consegue-se sem muito empenho profissional mas com imenso empenho conivencial porque decorre de nomeação política, ausência de experiência profissional e dependência face ao partido depois de muitas horas “perdidas” (é, pois, a face da conivência com o sistema).

Para além da falta de mérito para desempenhar cargos que exigem conhecimentos proeminentes e do fosso que o tempo vai cavando entre o que pensam e a realidade, quanto mais tempo o individuo permanece na política mais vulnerável se torna à corrupção cleptocrata “institucionalizada”, ou seja, à corrupção praticada para manterem os privilégios e o poder. A exploração e a roubalheira do património público, que se traduz na acumulação ilícita de riquezas e/ou de poder, pode até pôr em causa o princípio republicano da alternância política. A meu ver, a exceção à regra da permanência do político sério na política por muito tempo não justificam mantê-la, pelo que a regra decente é a limitação de mandatos ao computo dos cargos políticos para evitar saltimbancos e minimizar promiscuidades.

Como implícito acima, o processo de cleptocratização dos reinantes, de políticos profissionais, desenvolve-se em três fases: (i) convivência, (ii) conivência e (iii) e cleptocrata-existência. Tudo tem início com a convivência com as regras da cleptocracia – pais, filhos, parentes e amigos passam a reger-se pelo mesmo “código” de conduta. Depois vem a conivência, até chegar à “cleptocrata-existência”, que rapidamente atinge o nível patológico, porque o político profissional torna-se irreciclável para a vida civil comum: nunca saberá fazer mais nada! Passa a estar dependente da reeleição, pelo que o político profissional transforma-se em dependente.

Para além da tendência para o aumento da corrupção, a existência de políticos profissionais acelera o “autismo” relativamente aos problemas da sociedade porque decidem sobre a realidade que cada vez desconhecem mais. Como estão imunes a muitos impostos, a todas as burocracias, a obrigações declarativas, a coimas, e porque rendimentos não lhes falta e gozam de privilegio nos serviços públicos, aos mesmo – que nunca mudarão – também não lhes custa “insistir em fazer sempre a mesma coisa e ficar à espera de obter resultados diferentes”, acrescentando novos impostos, burocracias, obrigações, coimas, e piores serviços. Assim se justifica, por exemplo, que a CP tenha mais diretores que carruagens, que o ministério da agricultura tenha mais funcionários que agricultores, que o endividamento externo continue – ou seja, que o país (ou melhor alguns à custa de todos) viva acima das possibilidades –, apesar da degradação dos serviços públicos.

Não creio que seja possível acabar com este estado de coisas porque não sentindo as consequências de ações e decisões não há interesse na mudança. Face ao estado calamitoso, a mudança exige ação, uma reforma profunda do sistema político, que, por ter de ser tão profunda, é já uma espécie de revolução.