Ana Clara Borrego , Visão online

… implica que quase metade daquilo que é o salário bruto mensal de um trabalhador se transforma em impostos e segurança social, quer através do montante de salário bruto que não chega a receber, quer, posteriormente, no valor suportado com IVA, imposto sobre produtos petrolíferos e outros impostos que suporta sempre que adquire bens ou serviços.

Considerando que um dos temas do momento é a votação na generalidade do Orçamento do Estado para 2020, o qual estima um aumento de 0,2% da carga fiscal (calculada em % do Produto Interno Bruto), comparativamente com o ano anterior; a carga fiscal e o seu aumento, por inerência, são, também, temas da atualidade.

Contudo, importa referir, que muitos equívocos existem acerca da temática da carga fiscal, sendo um dos mais comuns entre os cidadãos interessados nestas temáticas, a comparação dos valores absolutos de arrecadação de receita fiscal ao longo dos anos.

Como estas crónicas, também, têm um caracter de educação e pedagogia fiscal, importa esclarecer os leitores que não faz sentido comparar, num horizonte temporal, os montantes absolutos de impostos arrecadados por um país e assumir as suas variações como aumentos ou diminuições da carga fiscal, pois podem não o ser. E, notem que o aumento da receita fiscal não é necessariamente mau, se ela resultar de um aumento da riqueza produzida pelo país, tal como pode ser má uma diminuição da receita cobrada, se a mesma tiver como origem uma diminuição da riqueza que o país gerou.

De igual forma, não é útil, confrontar os valores absolutos de impostos cobrados em Portugal e as receitas tributárias arrecadadas, por exemplo, nos países do norte da europa, considerando que os salários alvo dessa tributação são muito distintos.

Para fazer comparações utilizamos indicadores de carga fiscal, os quais permitem, não só compreender a verdadeira evolução da carga fiscal de um país ao longo dos anos, mas, também, comparar a sua posição relativa com a dos demais.

O indicador mais comummente utilizado para avaliar o peso da carga fiscal e a sua evolução é o rácio que calcula o peso da receita fiscal em percentagem do Produto Interno Bruto. Devido à sua importância, os próprios governos estimam este indicador nas propostas de Orçamento do Estado e monitorizam a sua evolução ao longo do ano. No caso Português, a evolução deste rácio ao longo do ano é acompanhado por vários organismos, de onde se destacam o Instituto Nacional de Estatística e o Banco de Portugal, bem como o Conselho de Finanças Públicas.

Um outro indicador de carga fiscal, muito utilizado, é calculado, anualmente, pela OCDE, para 36 países, e traduz a carga fiscal sobre o rendimento do trabalho, sendo muito útil para fazer comparações entre países e para a sua confrontação com os valores médios da OCDE1.

Por fim, um outro indicador muito conhecido, sobre o qual já escrevi em outras ocasiões,  muito útil, não só para compreender a evolução da carga fiscal num país ao longo dos anos, mas, também para percecionar a posição relativa desse país em relação aos restantes, é o “dia da libertação dos impostos”.

O “dia da Libertação dos Impostos”, também conhecido por Tax Freedom Day, tem a particularidade de ser um indicador que traduz a carga fiscal sobre os cidadãos comuns de um determinado país, num determinado ano, no número de dias do ano que são necessários trabalhar para pagar impostos e segurança social ao Estado. Este indicador é determinado para a generalidade dos países do mundo: na Europa, pelo Institut Économique Molinari2, nos Estados Unidos, pela Tax Foudation3, no Canadá, pelo Fraser Institute4, para referir, apenas, alguns dos mais conhecidos.

No caso português, nos últimos 5 anos, o dia da libertação dos impostos tem sido estimado dentro da primeira quinzena de junho: em 2014, a 6 de junho, em 2015, a 12 de junho, em 2016, a 15 de junho, em 2017, a 11 de junho, em 2018, a 12 de junho e em 2019, a 10 de junho; uma vez que se espera que o ano 2020 mantenha aquela tendência, faz sentido, questionar-vos, mais uma vez: estão prontos para passar quase metade de 2020 a trabalhar para pagar impostos?

Naturalmente, tal não significa que os portugueses vão estar, interruptamente, de janeiro a junho de 2020 a trabalhar para o Estado, mas, transpondo para uma base mensal, implica que quase metade daquilo que é o salário bruto mensal de um trabalhador se transforma em impostos e segurança social, quer através do montante de salário bruto que não chega a receber, quer, posteriormente, no valor suportado com IVA, imposto sobre produtos petrolíferos e outros impostos que suporta sempre que adquire bens ou serviços.

Para finalizar, a título de curiosidade, não posso deixar de referir que, no caso dos Estados Unidos, o Tax Freedom Day é levado de tal forma a sério que a ActionAmerica.org criou o Tax Freedmon Day Clock, isto é, o relógio do “dia da libertação dos impostos”: um relógio digital que conta, de forma decrescente, os meses, dias, horas, minutos e segundos que faltam para a libertação dos impostos dos norte-americanos (note-se que este indicador é uma estimativa, calculada e publicada, no inicio de cada ano para o próprio ano).

https://taxfoundation.org/comparison-tax-burden-labor-oecd-2018/

2 https://www.institutmolinari.org/wp-content/uploads/sites/17/2019/07/tax_burden_EU_2019.pdf

3 https://taxfoundation.org/tax-freedom-day-2019/

4 https://www.fraserinstitute.org/categories/tax-freedom-day