Alexandre Almeida, Jornal i

Os preços dos bens não refletem as externalidades ambientais negativas e como tal, distorcem as decisões de consumo.

O Natal é uma época de esperança em que, por momentos, embarcamos numa hipnose coletiva que nos transporta para um mundo com mais magia e amor. Quando olhamos para os nossos filhos e para a alegria deles percebemos o quão simples é a felicidade.
O Natal é também uma época em que prometemos a nós e aos outros que o dia e o ano seguintes serão de mudança, de melhoria, de mais felicidade.
Nesta época, a maior fraude com que nos debatemos são o caráter vão das nossas promessas. Sonhamos em mudar a nossa vida, em mudar a sociedade e em mudar o mundo mas rapidamente perdemos o entusiasmo por altura do dia de Reis.
No caso da sociedade, ninguém se pode excluir da responsabilidade coletiva partilhada por todos. No caso particular da política pública, a dificuldade de passar da estratégia à ação reflete esta dicotomia entre o romantismo pueril da mudança e a realidade da nossa inércia comportamental.
Como Quixote, em nome do Amor e do Futuro, temos novos moinhos de vento para combater, os ventos das alterações climáticas. Esta é a nova arena de enfático interesse político e de multiplicação de promessas de mudança. Mas, para não nos enganarmos a nós próprios, é necessário perceber como nos enganamos, como nos burlamos a nós próprios numa fraude coletiva.
O verdadeiro combate às alterações climáticas faz-se pela educação e civismo, mas sem negligenciar a economia. Temos uma severa fraude nos preços em que estes preços não refletem as externalidades ambientais e sociais negativas. Os preços dos bens não refletem as externalidades ambientais negativas e como tal, distorcem as decisões de consumo.
Acresce a miopia intertemporal que faz com que as nossas decisões sejam baseadas nos efeitos de curto prazo, sem considerar os impactos a longo prazo das nossas escolhas. Um exemplo da importância de melhorarmos a formação de preços é a prioridade relativa entre poupança de energia e poupança de água.
No nosso dia-a-dia passámos a ter preocupação com a poupança energética porque para tal fomos educados, mas sobretudo porque ela nos custa cada vez mais no orçamento.
Todavia, quanto pensamos no consumo da água, a maior imperfeição na formação de preços faz com que seja barata e, portanto, a sua preservação é uma não questão para a sociedade.
Um outro exemplo é a floresta. A floresta é amada por todos quando arde e ignorada por todos quando, sobretudo por milagre e por bonança, não arde. A estrutura de mercado existente condiciona o desenvolvimento de economia em torno da floresta. Não se trata de diabolizar o oligopólio existente, mas de reconhecer os seus efeitos e compreender como os mitigar, promovendo novos modelos de gestão territorial e promovendo novas atividades económicas.
De facto, a indústria de produção de pasta de papel determina a formação de preços e limita a atratividade do negócio florestal tradicional. De igual modo, enganamo-nos se achamos que o eucalipto não prosperará neste modelo. É a espécie mais rentável, com ciclos de produção e de corte mais curtos.
Enganamo-nos quando achamos que um pequeno proprietário ou uma comunidade podem explorar a floresta de forma rentável e sustentável. Enganamo-nos ainda quando pensamos que o problema fundamental se resolve com reforço de meios e com medidas paliativas como a descentralização e inversão do ónus da gestão da floresta.
A floresta exige reformas profundas na propriedade, um novo modelo de desenvolvimento que potencie a cooperação e a agregação de recursos, a co-localização de múltiplas fontes de rendimento e, num cenário futurista, a venda de créditos de carbono.
Se pensarmos bem, precisamos que a Amazónia nos dê oxigénio para viver e não queremos que as populações destruam o nosso “pulmão”, mas para tal temos de começar a encontrar mecanismos económicos de solidariedade que garanta, perante a nossa natureza egoísta, que o interesse individual e o interesse coletivo se conjugam numa efetiva mudança.
As alterações climáticas são o nosso desafio de honestidade intelectual e social para a próxima década. Vão determinar o futuro, de uma forma ou de outra, e exigem de nós a responsabilidade pelas nossas ações e omissões. Como é comum nesta altura do ano, 2020 será o ano em que tudo será diferente. Em que faremos exercício, em que estudaremos mais, seremos mais felizes e menos consumistas… enfim, será o ano de concretização de todas as promessas que fazemos a nós próprios e aos outros e que tantas vezes falhamos.
O Natal é tempo de esperança e de vida. A vida também é a capacidade de mudar e de reinventar a sociedade e o mundo. A fraude não está nas nossas fantasias de natal. Essas, mesmo as que foram promovidas pelo marketing comercial, são hoje fundadas no amor. A fraude está em nós porque somos humanos e imperfeitos e “só” temos de ser mais verdadeiros connosco.
Desejo-vos uns dias tão mágicos como só a capacidade humana de amar e de sonhar conseguem criar.