Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

Joacine Katar Moreira insultada, contestada, ameaçada por ser gaga, característica que muitos comentadores consideram como incapacitante para um parlamentar. Joe Biden elogiado por levar a sua gaguez para o Senado.

 

Que têm Joe Biden e Joacine Katar Moreira em comum já que muito os separa. Ele homem, branco, americano, rico, ela mulher, negra, portuguesa, lutando por sobreviver durante parte da sua vida. Ele com uma longa carreira política desde 1970 em que pela primeira vez foi eleito senador dos Estados Unidos. Ela muito mais nova, ativista feminista e antirracista, eleita recentemente para a Assembleia da República. O que os une é a gaguez.

Joacine Katar Moreira insultada, contestada, ameaçada por ser gaga, característica que muitos comentadores consideram como incapacitante para um parlamentar. Joe Biden elogiado por levar a sua gaguez para o Senado, onde soube durante décadas fazer a diferença numa carreira que está prestes a levá-lo à Presidência, depois de ter sido Vice-Presidente, do país mais poderoso do mundo.

Muitos dos que elogiam Biden atacam Joacine, muitos dos que admiram Winston Churchill, também ele gago, não se coíbem de criticar Joacine pelo que no inglês louvam como virtude. Muitos dos que se inclinam em reverências humilhantes perante o Príncipe Alberto do Mónaco, igualmente gago, levantam a voz contra Joacine. Como perceber esta dupla visão?

Aqueles que são capazes de apreciar o trabalho de Nicole Kidman, Marilym Monroe, ou vão aos concertos de Ed Sheeran, todos irremediavelmente gagos, declaram a gaguez de Joacine como imprópria para quem tenha de falar em público. Como compaginar esta incoerência?

A verdade é que todos esses gagos bons são brancos e Joacine é negra. Eis a grande diferença entre gaguez positiva e a gaguez incapacitante: a cor da pele.

Percebe-se, assim, que o que incomoda estes comentadores, quase todos de direita ou extrema-direita, não é a gaguez, mas sim a afirmação de uma mulher negra que chega ao parlamento pela sua própria luta, com a sua própria voz, com a sua própria agenda feminista e antirracista, pela alternativa política que apresentou aos eleitores e que estes acolheram. O que estes comentadores revelam é o seu racismo e o seu ódio.

Joacine defendeu com brilhantismo, que o testemunhei, perante um júri de ilustres e graves académicos a sua tese de Doutoramento, tarefa, obviamente, muito mais difícil do que debater as suas ideias na Assembleia da República.

Economista