Rute Serra , Visão online
Para que todo este processo (da descentralização) deixe transparecer que na sua base esteve uma política pública bem pensada e organizada seria importante que não duvidássemos da capacidade das autarquias para absorver competências, desde logo porque se apresentam devidamente capacitadas ao nível financeiro e, em especial, humano.
A descentralização administrativa do Estado para as autarquias – expressão onde cabe, de acordo com o previsto na nossa Constituição, a região administrativa, o município e a freguesia – é há décadas uma realidade em grande parte dos países europeus. E assim é porque se percebeu ser este um instrumento basilar de aprofundamento do Estado de Direito democrático. E porquê? Porque, em princípio, permite que a idiossincrasia dos recursos humanos e materiais dos países seja valorizada como um activo, aportando inclusive um plus: o incremento da participação cívica, natural quando as causas nos são próximas.
Um dos motivos para o atraso de Portugal na concretização da descentralização pode estar relacionado com a fraca confiança num exercício apto da autonomia local. O Conselho de Prevenção da Corrupção concluiu num estudo recentemente divulgado, que metade dos casos de corrupção no nosso país têm origem nas autarquias. Não se eludirá este facto se, com a transferência de competências que tem estado a ser concretizada em especial ao longo dos últimos dois anos, não existir uma tutela administrativa real, efectiva e dentro dos limites constitucionais, do Estado sobre as autarquias. Para que todo este processo deixe transparecer que na sua base esteve uma política pública bem pensada e organizada seria importante que não duvidássemos da capacidade das autarquias para absorver competências, desde logo porque se apresentam devidamente capacitadas ao nível financeiro e em especial, humano.
Em Agosto de 2018 foi criada a Comissão Independente para a Descentralização, cujo mandato, ao contrário do que possa numa primeira atenção parecer, não foi o de pensar o processo de descentralização para os municípios que, como se disse acima, tem vindo a ser executado. O seu objecto, conforme pode ler-se no relatório apresentado em Julho deste ano, centra-se na avaliação das condições para a descentralização nas «regiões administrativas, nas áreas metropolitanas e nas comunidades intermunicipais».
Feita a precisão, não deixa de se atentar neste facto ali constatado: «(…) o ordenamento jurídico português não logrou ainda encontrar um verdadeiro sistema articulado e eficaz na luta contra o fenómeno da corrupção.», ínsito no quarto capítulo daquele relatório, que se dedica por inteiro à preocupação com a prevenção da corrupção naquelas entidades, em caso de descentralização. Aí aconselha-se a efectiva implementação de sistemas anticorrupção, através da utilização da Norma Portuguesa ISO 37001, homologada em 2018, sob o título «Sistemas de gestão anticorrupção. Requisitos e orientação para a sua utilização», e que na introdução refere: «É expectável que uma organização bem gerida disponha de uma política de conformidade assente em sistemas de gestão apropriados que a assistam no cumprimento das suas obrigações legais e no seu compromisso com a integridade». A Comissão conclui ainda que, avance-se ou não para a materialização das regiões administrativas (já previstas quase há trinta anos na Lei-Quadro das Regiões Administrativas), devem ser introduzidos mecanismos de boa administração que não se cinjam aos já previstos, porém circunscritos à actividade financeira.
Aplaude-se com entusiasmo estas conclusões, a bem de uma descentralização necessária e útil, que não se esqueça também de ser eficaz.