José Ferreira , Visão online

Sempre o dinheiro, sempre o lucro, troca-se uma ou várias vidas por uns milhares de euros. Que espécie de ser humano consegue vislumbrar nestes esquemas formas de negócio?

Chocado. Absolutamente chocado.

A brutalidade do crime violento já não me admira.

A falta de escrúpulos dos burlões da internet já não me surpreende.

A falta de moralidade dos corruptos já não me assombra.

O pouco valor que cada vez mais se dá à vida humana… assusta-me!

A tragédia de Essex, no sul de Inglaterra, que contabiliza 39 mortos encontrados no interior de um contentor de transporte, é apenas o mais recente exemplo da ganancia humana.

Vivemos no século de todos os avanços tecnológicos, de todas as descobertas científicas, de todas as lutas pela igualdade e universalidade de direitos, liberdades e garantias e não conseguimos erradicar nem combater eficazmente um dos crimes mais atrozes da humanidade: o tráfico de pessoas; que tantas vezes conduz à escravatura ou à morte das suas vítimas.

Não se tratando de criminalidade económica, na verdadeira aceção do conceito, é criminalidade com forte motivação económica, pois os lucros gerados anualmente por este tipo de crimes são na casa dos milhões de euros e as organizações criminosas que os praticam verdadeiras empresas multinacionais.

Trata-se de crime organizado e transnacional sem dúvida. A logística necessária para movimentar discretamente e em sigilo grandes quantidades de pessoas apenas está ao dispor de poderosas organizações criminosas internacionais, com bases de apoio e meios humanos e materiais em vários países, desde o país de origem ao país destino, em viagens que se fazem atravessando vários outros países, às vezes mesmo continentes.

Sempre o dinheiro, sempre o lucro, troca-se uma ou várias vidas por uns milhares de euros. Que espécie de ser humano consegue vislumbrar nestes esquemas formas de negócio?

As organizações criminosas, aproveitando-se do desespero de quem recorre as estas redes, por preços altíssimos e sempre a pré pagamento, garantem o transporte para o país destino, com a promessa de uma viagem rápido e sem transtornos. Contudo, as condições em que tal transporte é efetuado raramente cumprem os requisitos mínimos de higiene e salubridade e o resultado é, muitas vezes, igual ao ocorrido em Essex.

Que não haja ilusões: as organizações criminosas não têm qualquer sentido ou objetivo humanitário ao oferecer e efetuar tais transportes. O objetivo é apenas um: o lucro, não importando de que forma. A prova está à vista, não muito longe daqui, no sul de Inglaterra.

A questão que me assola, e que deve preocupar todos nós, é que estes são os casos que são descobertos ou conhecidos. Quantos outros, cujas provas nunca chegam à luz do dia, aqueles em que as organizações têm tempo de fazer desaparecer os cadáveres, acontecerão anualmente?

O tráfico de pessoas é um negócio próspero. Fonte de rendimentos elevados, em que a equação risco x benefício tende a pender para o lado do benefício. A velha Europa, destino tão almejado por todos quantos apenas a vislumbram à distância e sem possibilidade de lhe acederam legalmente, tem de ser mais assertiva no combate.

Os grupos de trabalho para se discutir este fenómeno já não são suficientes. A partilha real de informação entre Estados Membros tem de ser uma prioridade; da mesma forma, a perda de todos os bens, lucros e ativos económicos das organizações criminosas uma realidade concreta e não apenas uma espécie de miragem legal, que está prevista em vários documentos legais e acordos, mas raramente se concretiza.