António João Maia, Expresso online (021 29/05/2019)

Sim leitor é mesmo a ti que me dirijo, o que é que tu podes fazer contra a corrupção?

Neste momento deves estar incrédulo com esta pergunta, por isso provavelmente me responderás – ora essa, porque me questionas? Eu não tenho nada a ver a com os problemas da corrupção! Em Portugal, como saberás e à semelhança do que sucede pelo menos nos países mais evoluídos, temos estruturas com funções específicas para fazer o controlo desse problema, e portanto parece-me que seja a essas entidades que deves colocar a questão e não a mim.

Pergunta aos Tribunais, às polícias, às entidades que têm a função de controlar a ação do Estado e dos serviços públicos. Essas entidades é que têm a missão de controlar a corrupção. Por isso são elas que te devem dizer o que se faz em Portugal contra a corrupção, não te parece?

Sim, isso é de todo verdade – direi –, essas entidades existem e, com maior ou menor dificuldade, creio que até vão fazendo de forma meritória o seu trabalho.

Mas não é isso que me importa agora. O que pretendo saber é se nós, os cidadãos – e não te esqueças que tanto eu como tu e todos os nossos concidadãos estamos aqui num plano de perfeita igualdade – também temos alguma responsabilidade neste domínio?

É que é fácil, é mesmo muito fácil e sobretudo cómodo, adotar uma posição mais passiva, ficar tranquilamente sentado no sofá, como costumamos dizer, a assistir ao desfile dos casos de corrupção e de tantos outros problemas sociais, simplesmente porque existem instituições que têm a tarefa de os controlar. Essas instituições que façam o seu trabalho e nós cidadãos desligamo-nos assim dos problemas. Temos mais que fazer. Preferimos vê-los diariamente na TV e nos jornais, embrulhados em sucessivas nuvens do fumo da suspeição, como uma espécie de fogueira das vaidades que, com a ajuda do discurso crítico de cada um de nós, vai cilindrando os nomes daqueles que surgem associados a tais suspeições, mas sempre, sempre, como um problema cuja procura de soluções está fora de nós.

A meu ver, esta atitude de um certo alheamento relativamente às questões de interesse coletivo, como me parece ser claramente o caso da corrupção, e como são também os da violência doméstica, dos maus tratos a crianças e idosos, de entre outros, é bem revelada pelo recente relatório 2019 do Instituto V-DEM, da Universidade de Gotemburgo, Democracy Facing Global Challenge (https://www.v-dem.net/media/filer_public/99/de/99dedd73-f8bc-484c-8b91-44ba601b6e6b/v-dem_democracy_report_2019.pdf), que indica que Portugal ocupa a modesta 42ª posição do ranking dos países estudados relativamente ao indicador “envolvimento da sociedade civil nas questões de interesse” coletivo” (pág. 54, 69 e 70).

Não estou a perceber onde queres chegar com esta conversa fiada. Afinal de contas o que é que eu e tu e todos os outros cidadãos temos a ver com o controlo da corrupção? – deve ser provavelmente o que pensarás neste momento.

O ponto onde quero verdadeiramente chegar é mais ou menos o seguinte: a corrupção é um problema que nos afeta a todos. Quer porque ocorra nas entidades que têm a função de gerir o Estado, ou seja de gerir as nossas legítimas expectativas sobre o que deve ser a salvaguarda e concretização dos mais elevados interesses e valores coletivos, e que a corrupção subverte e nega. Quer porque os custos de funcionamento de toda essa estrutura de gestão do Estado são suportados por todos nós, através dos nossos impostos, e que por via da corrupção acabam inflacionados precisamente para satisfazer determinados interesses particulares. Informo-te, a este propósito, que o recente estudo The Costs of Corruption Across the EU (https://www.greens-efa.eu/files/doc/docs/e46449daadbfebc325a0b408bbf5ab1d.pdf) estima que os custos da corrupção em Portugal correspondam a 2 vezes o orçamento da educação e a cerca de 9 vezes o orçamento para o policiamento (pág. 49).

Por outro lado, importa ainda afirmar que os atos de corrupção nos afetam a todos, uma vez que são reconhecidamente geradores de desconfiança nas instituições, nas pessoas e sobretudo nos sistemas políticos, contribuindo por isso para minar os índices de coesão institucional e social, como foi verificado por Yves Mény e Donatella Della Porta, em Democracia e Corrupção na Europa (edições D. Quixote, 1996).

Considero efetivamente que o cidadão deve desempenhar um papel mais pró-ativo e de importância fundamental e insubstituível tendo em vista o controlo da corrupção. Temos de procurar dinamizar uma maior participação dos cidadãos na cidadania

A sua ação não se confunde de modo nenhum com a das instituições que têm a missão de controlar o fenómeno, com bem indicaste atrás. Ao contrário, ela deve complementar essa ação e deve sobretudo contribuir para o aprofundamento de uma sociedade em que impere um caldo cultural de maior exigência de Ética e de Integridade de todos os cidadãos e de todas as instituições.

Assim, o cidadão deve desde logo ser exigente consigo próprio no sentido de procurar ser íntegro, afastando-se de toda e qualquer ação que traduza ou possa traduzir uma prática de corrupção ou menor adequação e transparência relativamente às expectativas sobre as suas condutas. A adoção de uma atitude desta natureza oferece a possibilidade de afetar positivamente, através do exemplo, aqueles com quem trabalha ou com quem se relaciona.

Por outro lado, deve reportar ou denunciar às ditas autoridades judiciais as situações de corrupção de que tenha conhecimento ou as ações que lhe suscitem suspeição, uma vez que, como bem sabemos, estamos perante um fenómeno que apresenta uma natureza oculta, em que uma parte das ocorrências jamais chegará ao conhecimento das autoridades de controlo e punição. Por isto toda a comunicação pode ser de grande importância para as autoridades no sentido de se incrementarem as investigações e punições por este tipo de práticas. Esta dimensão carece de melhorias dos canais de denúncia e de instrumento que promovam e garantam a proteção aos denunciantes, medidas que se anunciam para breve através da transposição da Convenção Europeia recentemente subscrita pelos Estados nesta matéria.

A finalizar e porque os casos de suspeição por corrupção que envolvem figuras políticas se têm sucedido na comunicação social, não podemos excluir este elemento como um fator hipoteticamente explicativo da elevada taxa de abstenção registada no recente ato eleitoral para o Parlamento Europeu (cerca de 70% de abstenção).

A propósito, exerceste o teu dever de cidadão e foste votar?