Rute Serra, Jornal i
Laura Codruţa Kövesi, a mulher que, com mão-de-ferro, liderou durante cinco anos o organismo de combate à fraude e corrupção da Roménia
O desafio é, não obstante, exigente e as consequências na arquitetura judiciária nacional serão inevitáveis. A variabilidade geométrica do espaço onde coabitarão Ministérios Públicos com estatutos heterogéneos, a que se soma a independência interna e externa da Procuradoria Europeia relativamente às instituições europeias e diferentes autoridades nacionais, subordinando-se apenas às regras da cooperação reforçada, faz pressupor uma tensão complexa, suscetível, caso afrouxe a vontade política, de cativar o sucesso da medida. O entretecer das legislações nacionais e europeia pode ainda suscitar dificuldades no que concerne às medidas de investigação, à produção/admissibilidade da prova, aos direitos fundamentais de suspeitos e arguidos ou até relativamente às regras de controlo judicial dos atos praticados.
No quem é e vai ser quem, Portugal mantém em aberto a discussão sobre os candidatos que poderão vir a ocupar o lugar de Procurador Europeu, a nível descentralizado (pois que a nível nacional atuarão os Procuradores Europeus Delegados). As regras procedimentais de seleção e designação para aquele cargo foram estabelecidas, depois de inquietações terem sobressaltado alguns, através da recentemente publicada Lei n.º 112/2019 de 10 de setembro, possibilitando que indivíduos oriundos das duas magistraturas nacionais possam ser designados, depois de ouvidos pela Assembleia da República.
Já para a cúpula da estrutura, a competição foi renhida. Foram três os nomes apurados em short-list, selecionados de entre vinte e quatro candidatos. O que mais polémica suscitou foi o da romena Laura Codruţa Kövesi, a mulher que, com mão-de-ferro, liderou durante cinco anos o organismo de combate à fraude e corrupção do seu país, tendo sido responsável por levar a julgamento dezenas de titulares de altos cargos públicos e políticos e pela condenação a quatro anos de cadeia do antigo primeiro-ministro romeno Adrian Năstase. Com este empenhamento, não tardou que, expetavelmente, se tornasse demasiado inconveniente. A sua demissão do cargo não haveria, contudo, de manchar a aura de boa reputação que, entretanto, construiu. O que lhe veio a valer inclusive o apoio de França na corrida, num volte-face relativamente ao seu próprio candidato, Jean-François Bohnert, aquele que inicialmente mais votos recolheu dos embaixadores nacionais junto da União Europeia. Acresceu a esta saga, o facto de o governo romeno ter estado profundamente empenhado numa campanha destrutiva da candidatura da sua nacional.
Foi finalmente há dias conseguido o imperativo consenso entre Parlamento e Conselho europeus, e a escolha final recaiu sobre a mediática procuradora romena. Mas se analisarmos à lupa, quer o desenvolvimento do processo de seleção, quer o perfil da primeira líder da Procuradoria Europeia, fica a convicção de que vai haver muita boa gente com medo de Laura Kövesi. E ainda bem.