Raquel Brito, Jornal i

A regra comportamental torna-se num referencial que tende a ditar a conduta

O estudo e consequente prevenção da fraude e corrupção deveria ser um tema encarado com maior rigor pelos governantes, atendendo à complexidade do fenómeno e à sua difícil gestão. Esta dificuldade prende-se essencialmente com o facto de ser um fenómeno que envolve a condição humana.

Divergindo desta premissa esta reflexão baseia-se numa opinião pessoal desprovida de qualquer cientificidade.

Desde há décadas que alguns investigadores dos comportamentos desviantes se dedicam ao estudo do ser humano enquanto ser bio-psico-social. Procuram estabelecer relações entre a moralidade (ou a falta dela) com experiências que testam a desonestidade (fraude, mentira, furtos ou outros). Estes estudos de investigação não são pensados de ânimo leve.

Assim, quanto à Componente Bio(lógica) poderemos pensar nos estudos realizados com gémeos, ricos em conclusões sobre a importância da carga genética na questão comportamental, nomeadamente os estudos de Glueck, Glueck e o seu enorme contributo.

Quanto à componente da Personalidade são inúmeros os estudos desenvolvidos, nomeadamente por Eysenck. Este aponta como 3 as dimensões da personalidade (Extroversão, Neuroticismo, Psicoticismo), que produziriam interferência na socialização. As três dimensões têm uma relação com a componente genética (ativação cortical, sistema simpático e parassimpático), mas nem sempre imediata. Estudos complexos envolvem a análise de inúmeras variáveis: indivíduos mais ou menos extrovertidos, que gostam de sensações fortes, que são autoritários ou agressivos, entre outras. O comportamento humano está fortemente imbricado com a sua personalidade e com fatores biológicos que lhes estão subjacentes, contudo não nos é permitido ignorar as causas ambientais.

Por fim, a terceira componente, a aprendizagem social. É sabido que na fase da adolescência esta aprendizagem, com os pares, se reveste de um carácter particularmente especial (estudos de Moffit). Contudo, não é possível ignorar a aprendizagem em contexto familiar, muito relevante. Que valores morais e/ou éticos são transmitidos pela família?

Pode parecer um pouco ambíguo trazer para discussão estes conceitos (moral e ética), mas na verdade os mesmos têm elevada pertinência para as questões da fraude/corrupção, assim como para os restantes comportamentos antissociais e criminais.

De que forma? Questiona-se o leitor. De inúmeras e diversas formas, como procuramos mostrar de seguida:

A título de exemplo e, obviamente, salvo as devidas exceções, pensemos nas baixas médicas.

Muitas vezes os adolescentes percebem que lhes são permitidas faltas de presença em eventos (académicos, desportivos ou outros) porque os seus Encarregados de Educação conhecem um médico “amigo” que se prontifica a passar um atestado.

Se, enquanto jovens, esta nos for apresentada como uma forma (de todo incorreta) de resolver um problema, muito provavelmente enquanto adultos vai parecer-nos fácil pedir ao profissional de saúde que nos passe uma baixa médica sempre que, não estando doentes, queiramos por exemplo retaliar com a entidade patronal.

A fraude académica tão recentemente estudada em território nacional e cujos resultados não se revelam os mais distintos, pode ser outro exemplo. Quantas vezes se ouve: ”…desde que não sejas apanhado…”

Se os comportamentos são banalizados podem tornar-se uma referência normal para nós. A regra comportamental torna-se num referencial que tende a ditar a conduta. As bases da nossa formação, da nossa educação também ditam a nossa convivência social, a forma como nos relacionamos com os outros.

Sem sombra de dúvida que estas palavras são redutoras perante um fenómeno tão complexo, enraizado e pandémico como este da fraude. A unilateralidade dos fatores não conduz a uma explicação consistente dos comportamentos humanos, sejam do âmbito criminoso ou não. A definição da nossa personalidade nunca é suscetível de uma só interpretação, não é unívoca.

Obviamente, o estudo das razões que levam aos crimes (sejam violentos ou económico/financeiros) não poderão ser resumidos a uma simples crónica de opinião. No entanto, é de sinalizar que a questão cultural é importante. Acresce a esta importância o facto não ser fácil, nem imediato, alterar esta tendência.

Assim, facilmente se conclui que uma das medidas a tomar, volto a repetir, havendo vontade política - tendência ainda mais difícil de alterar - ser urgente investir na formação dos jovens e adolescentes.

E talvez, e só talvez, surjam resultados daqui a umas décadas…