Nuno Magina, Jornal i

É uma pena que no seio do próprio Estado não exista uma máquina eficaz no combate à fraude e corrupção

O Estado tem granjeado elogios pela forma eficaz como combate a fraude e evasão fiscais. Justiça seja feita, a máquina fiscal e a inspeção tributária têm-se modernizado de uma forma exponencial. Soluções informáticas para todos os gostos, muitas “Made in Portugal”, tornaram o exemplo português numa referência europeia. Só em 2018, a carga fiscal teve um aumento de 6,5%, quase 3 pontos percentuais acima do crescimento do PIB (3,6% em termos nominais).     É uma pena que no seio do próprio Estado não exista uma máquina tão eficaz no combate à fraude e corrupção. Atrever-me-ia a dizer que o risco de evasão fiscal pelos contribuintes não é assim tão diferente do de corrupção pelos funcionários e dirigentes públicos. Os cidadãos, modéstia à parte bastante criativos, numa grande parte são os mesmos. Só muda a camisola que vestem.

Visualize-se a administração da coisa pública como um forte de alta segurança. Na porta principal, do lado da receita fiscal, estão instalados controlos de acesso biométricos, câmaras com sensor de movimentos e uma panóplia de outros “gadgets” informáticos. Já nas traseiras do edifício, do lado da despesa pública, os controlos datam de muitos anos: um sistema de videovigilância desatualizado e uma porta rangente que se abre com facilidade.

Indubitavelmente eu não me refiro à ausência de mecanismos legais como a lacuna principal. O problema, diria eu, reside na incapacidade do Estado em detetar e investigar atempadamente indícios de fraude pela via da despesa. Os sistemas informáticos da administração pública servem primordialmente fins contabilísticos e orçamentais. Para reforçar a segurança do forte faltam instalar os tais “gadgets” nas traseiras do edifício. Na prática ferramentas de “data analysis” e “machine learning”, tão em voga no mundo informático.

As entidades públicas em Portugal, autarquias, escolas, hospitais, etc., processam diariamente um volume infindável de contratos e faturas. Sem que hajam ferramentas informáticas capazes de analisar esses dados, e de os processar conjuntamente com outras bases de dados, é extremamente difícil identificar esquemas fraudulentos. Um exemplo flagrante é o da contratação, tão comentada, a empresas detidas por familiares de dirigentes públicos. Com as ferramentas apropriadas, estaria à distância de alguns cliques poder listar as faturas desses familiares.

Para rastrear todos esses dados e investigar suspeitas são necessários funcionários e meios públicos. é inevitável. Muitos invocam a necessidade de criar uma agência anticorrupção, não só para investigar, mas também para prevenir. Bons exemplos pela Europa fora não faltam, um deles bem perto de nós: a “Oficina Antifrau de Catalunya”. Criada em 2008, esta agência pública tem sido apontada como um caso de sucesso em Espanha.

Haja vontade política e será uma questão de tempo até o Estado reconhecer que, tal como preconizado para a evasão fiscal, o combate à corrupção carece de uma estratégia eficaz e assente em meios informáticos. Até lá continuemos com a porta do forte entreaberta.