Alexandre Almeida, Jornal i

Negligenciamos um nível e corrupção tão ou mais pernicioso e que é a corrupção ao nível dos “verdadeiros fundamentais”.

O progresso tecnológico, a globalização e, mais recentemente, a digitalização tornaram quase ubíqua a arena de competição, acelerando sem precedentes os ciclos de inovação. Iniciámos uma corrida em que, apesar da indubitável maior riqueza individual e coletiva, da maior disponibilidade e acesso a bens e serviços, assistimos a uma progressão exponencial das necessidades e da nossa insatisfação, reduzindo desenvolvimento económico a crescimento económico, economia a monetarização e felicidade a despesa.A economia é, tradicionalmente, a ciência que procura responder ao problema de necessidades infinitas face a recursos finitos. Neste quadro, aprendemos os “fundamentais” da economia, os fatores que determinam o crescimento económico potencial e as estruturas de funcionamento dos mercados. No entanto, algures esquecemo-nos do verdadeiro “fundamental”, nós! Entender a economia é compreender o homem, os seus impulsos e o seu “animal spirit”, bem como os efeitos que a sociedade e o contexto têm na sua modelação. Neste cômputo, a educação e o conhecimento foram, são e continuarão a ser as alavancas de transformação económica e social, bem como do progresso na maturidade social, na redefinição do paradigma de desenvolvimento económico e o maior garante de uma sociedade evoluída, transparente e menos corrupta.

A economia é uma ciência humana e social tanto quanto imperfeita. Uma parte dessa imperfeição resulta da falta de compreensão sobre os verdadeiros “fundamentais” das decisões individuais e coletivas. Outra parte resulta das distorções intelectuais tendentes ao controlo das massas e que procuram deturpar premissas, subestimá-las ou ignorá-las como parte relevante do quadro de decisão. É aqui que discutimos um nível de corrupção tão ou mais pernicioso por mascarar os “verdadeiros fundamentais” da escolha, que podem conduzir a uma falha grave na formação de preço e porquanto na análise não “a posteriori”, mas “ab inicio” através da alteração das “regras do jogo”.

Um primeiro exemplo: o Brexit. Independentemente da legitimidade da decisão do povo do Reino Unido, parece-me que o Brexit é, essencialmente, o resultado de corrupção intelectual porquanto resulta da vontade de ignorar a necessidade de reforma e de mudança estrutural profunda da economia inglesa, da falta de coragem para assumir o desaparecimento progressivo do Império Britânico e a crise de competitividade. Atribuindo à união Europeia e aos imigrantes a causa de um problema que é, no essencial, interno, criou-se um exercício de desresponsabilização própria e de eleição de um inimigo comum que resulta em tensões sociais crescentes, ingovernabilidade e, necessariamente, numa trajetória de menor crescimento ou mesmo de decrescimento. Mais gravosa é a clivagem social e o xenofobismo que se incita e alimenta com a falta de honestidade e de honestidade intelectual.

Um segundo exemplo: a União Europeia. O descrédito do projeto Europeu decorre da hipocrisia e da corrupção intelectual das suas instituições. A solidariedade que caracterizava o projeto Europeu resulta frequentemente oca. As regras, os princípios e o ímpeto punitivo com os países do Mediterrâneo aquando da crise financeira foram tão desequilibrados como injustos. A disciplina é só para alguns e ainda vivemos com a sobranceria frequente dos nossos parceiros que nos caracterizam como oportunistas que, como em tempos ousou dizer o ex-ministro das finanças holandês, gastamos o dinheiro em mulheres e vinho. Os fundos comunitários que Portugal, Espanha ou Grécia recebem não são programas de ajuda ou um favor. São prestações pecuniárias de um contrato europeu, aceite por todos e que duvido que a Alemanha, principal beneficiário do processo de integração europeia, possa, com honestidade intelectual, considerar ter sido um mau negócio.

Por fim, a Amazónia. Pulmão do mundo, responsável pela produção (consoante a fonte) de 20% a 25% do oxigénio mundial. Todos nos preocupamos com os incêndios na Amazónia, o pulmão do mundo e que fornece 20% a 25% do oxigénio. Não obstante, poucos estão dispostos a solidariamente pagar o preço e ajudar a alterar o quadro de incentivos à desmatação e à redução da área florestal. Ao invés, aceitamos a corrupção intelectual, como a que grassa nos Estados Unidos, preferindo a retórica de maus pagadores que apela a que um país pobre dê o exemplo na preservação de um bem de todos, que os pobres passem fome em nome da preservação da floresta e que os ricos possam opinar sem contribuir pelo menos com a quota parte correspondente ao oxigénio que consomem.

Em suma, a corrupção intelectual é ainda mais perigosa, resultando em múltiplos arquétipos fantasiosos e perversos da realidade, desequilibrados na contabilização de impactos e na formação dos preços e associados a retóricas falaciosas que justificam a sobrelevação de alguns interesses em detrimento de outros muito a montante da sua efetivação monetária e impunes, ainda que muito mais devastadores.