Aurora Teixeira, Visão online

“... poucos serão os países que conseguirão ombrear com Portugal no que respeita à capacidade de autoflagelação e profíqua inoperância.”

Portugal é um país extraordinário! Excluindo os EUA, que elegeram um presidente cuja única característica notável digna de registo é de natureza (in)estética-capilar, poucos serão os países que conseguirão ombrear com Portugal no que respeita à capacidade de autoflagelação, profíqua inoperância das instituições e propensão extrema a síndromes das mais variadas ordens e tipologias.

Exponho apenas quatro (com designação livre, quiçá abusiva, da minha autoria), para evitar expor os leitores a uma outra síndrome, a de Burnout, distúrbio psíquico de caráter depressivo, associado a um esgotamento físico e mental intenso:

1) Síndrome “Muita parra e pouca uva”

Qualquer português, mesmo os que têm pouca memória - sempre maior, contudo, do que a das ditas ‘elites’ económicas e reguladoras do nosso país, que parecem ter sido, subitamente, assoladas por um tsunami amnésico-, não ficou indiferente à vertiginosa velocidade com que emergiram Comissões Parlamentares de Inquérito (CIP). Ainda dizem que os nossos deputados não trabalham... ‘tadinhos’!

As CIP à Banca, envolvendo a atuação de gestores de bancos (e.g., BPN; BES / Novo Banco; CGD) e reguladores (e.g., BdP), têm sido particularmente mediáticas e escandalosamente reveladoras da inoperância/ incompetência das instituições nacionais (Comissões, Parlamento, Governo, Reguladores) no que respeita ao combate à evidente e vergonhosa delapidação do Erário público.

Num texto elucidativo à (des)utilidade das CIP, João Paulo Batalha, Presidente da TIAC, escrevia “[o]s deputados publicaram um relatório com críticas equitativas aos gestores do banco e aos reguladores, festejaram o seu próprio contributo para a descoberta da verdade e passaram à frente.” (O Jornal Económico, 23 Julho 2018).

2) Síndrome “Chico Buarque”

Chico Buarque, no seu livro, Leite Derramado, escrevia “... qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer. A memória é uma vasta ferida.” Deve ser por isso que os diversos intervenientes na CIP à CGD incansavelmente promoveram “Não me recordo” e ”Não tenho memória” a frases do ano.

A ciência explica e rotula este fenómeno de “amnésia fraudulenta”. Referem as autoras Maryam Kouchaki e Francesca Gino, no seu artigo publicado no PNAS em 2016 (1), que quando as pessoas se envolvem em comportamentos pouco/não éticos no passado, a sua memória relativamente a estes comportamentos fica ‘deficiente’. Acrescentam ainda, que como a memória ‘pifou’ no que concerne aos comportamento que lesam a ética, os seus sujeitos continuam a repetir o comportamento desonesto/ fraudulento.

Ok. A ciência ajuda a explicar, mas e então o que se faz? Em Portugal?... nada!

3) Síndrome “Não mexer uma palha”

As CIP à Banca têm-se revelado autênticas tragicomédias onde se consegue expor, de uma assentada, que a insanidade e demência:

- são requisitos-chave para se ter uma ‘pipa de massa’ em crédito bancário e para se ser responsável de topo (principescamente pago) em instituições financeiras da praça, sejam estas públicas ou privadas.

- ilibam os sujeitos de quaisquer responsabilidade criminal.

Aparentemente, a ‘justiça’ portuguesa, que tem tido mais do que fazer, preocupada que está com o seu próprio umbigo, parece incapaz (sem vontade?) de punir (ou pelo menos acionar mecanismos para punir) os sujeitos que não se lembram dos crimes que ‘alegadamente’ cometeram.

É esclarecedor, embora pouco abonatório para as autoridades públicas portuguesas, que das 15 medidas que, em 2012, o Greco (Grupo de Estados Contra a Corrupção) recomendou a Portugal para prevenir a corrupção de deputados, juízes e procuradores, 11 ficaram totalmente por aplicar e 3 foram implementadas apenas parcialmente.

4) Síndrome “Rir é o melhor remédio”

Face a tão esclarecedoras e surreais, para não dizer Kafkianas, Comissões de Inquérito Parlamentares (CIP), o melhor é mesmo rir... para não chorar!

Assim, ficam para a história, ‘tudinho’ documentado em vídeos, várias CIP que teremos dificuldade em olvidar, expondo a nú a ilimitada ‘sagacidade’ e‘generosidade’, da nossa ‘elite’, desde a mais local à nacional (incluindo os “cubanos’ do continente e ilhas):

– ‘Sagacidade’: O que é uma prisão?: “um estabelecimentozinho, dentro de um estabelecimento ... e aquilo é fechado” (cit. Diretora do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, CIP, fevereiro 2019):

- ‘Generosidade’: “...como português, como cidadão... tentei ajudar os bancos” (cit. Joe Berardo, CIP, maio de 2019)

Estas CIP revelam o esquizofrénico Zoo em que Portugal se tornou. De facto, depois de se ouvir Joe, o ‘Bobo’, numa das CIP concluiu-se existir “dez milhões de ursos em Portugal” (Ricardo Araújo Pereira, 12 maio de 2019). Adicionalmente, na sequência das audições aos reguladores da Banca e aos responsáveis de topo da CGD, somos ‘forçados’ a concluir que, dado o degradante esforço que fizeram durante a CIP à CGD, que estes têm “uma memória de um elefante... lembram-se de terem estado num Zoo e ter visto um elefante”.

Notas:

(1) Kouchaki, Maryam; Gino, Francesca (2016), Memories of unethical actions become obfuscated over time, PNAS, 113 (22), 6166-6171.