Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

O perfil demográfico que sairá do censo de 2021 será então uma imagem imperfeita, errada, por incompleta e distorcida, da realidade. Exatamente o contrário do que se pretende com um censo.

Se me pedirem para fazer o retrato de Camões nos seus últimos anos e omitir a sua deficiência visual será um retrato incompleto e erróneo, se ao descrever Sintra me esquecer do Palácio da Pena darei uma ideia imperfeita da vila, se ao traçar o esboço dos Estados Unidos não referir a diversidade étnico-racial desenharei um quadro muito diferente da realidade. Se nestes casos o fizer propositadamente então estarei a enviesar desonestamente o trabalho solicitado. Suprimir informação é, compreende-se, viciar o resultado.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) contrariando a opinião do grupo de trabalho formado para o efeito anunciou, pela voz do seu presidente Francisco Lima, que não vai recolher no censo de 2021 dados étnico-raciais da população residente em Portugal.

O perfil demográfico que sairá do censo de 2021 será então uma imagem imperfeita, errada, por incompleta e distorcida, da realidade. Exatamente o contrário do que se pretende com um censo, um exercício caro mas importante base para a tomada de decisão política.

Que razões apontou o presidente do INE para decidir contra o parecer do grupo de trabalho. Fundamentalmente três: 1. Risco de institucionalizar as categorias étnico-raciais; 2. Complexidade do tema que requereria mais tempo de preparação; 3. Incerteza no resultado por a questão ser facultativa. Terá razão? Vejamos:

1. Risco de institucionalizar as categorias étnico-raciais.

Este seria efetivamente um risco absurdo de se correr em troca da recolha de informação estatística. Acontece porém que esse risco não existe, pelo simples facto que a institucionalização do racismo sobre os grupos étnico-raciais já existir. Assim não só não existe tal risco como a inclusão destas perguntas permitiria diminui-lo no futuro, uma vez que uma vez identificados com rigor os problemas mais depressa e mais eficazmente se pode avançar na sua resolução.

2. Complexidade do tema requereria mais tempo

No momento em que escrevemos os EUA debatem a introdução de uma pergunta no censo de 2020 sobre a nacionalidade do inquirido. É uma pergunta que a ser posta de forma errada pode afastar milhões de imigrantes ilegais de responder ao censo, o que enviesaria e inutilizaria o censo produzindo resultados errados. A pergunta está a ser analisada pelo Supremo Tribunal que decidirá da sua inclusão ou não. O Departamento de Estatísticas contudo não se queixou de ser uma pergunta controversa e está já a testar a melhor forma de a incluir. Note-se que o Supremo Tribunal ainda não se pronunciou sobre o tema e que o censo americano é em 2020, um ano antes do português. O caso norte-americano mostra que o tempo existe, a competência para o aproveitar é que parece que escasseia por cá. 

3. Incerteza no resultado por a questão ser facultativa

Existem outras perguntas facultativas no censo nomeadamente uma, muito delicada, sobre filiação religiosa. Nunca o INE pôs em causa os resultados obtidos por esta pergunta facultativa, nem a retirou do censo. Nos censos de vários países as perguntas sobre etnicidade e raça são sempre facultativas. Os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido, a Irlanda, a Roménia, a Bulgária, a Sérvia, a Croácia, na Hungria, etc., etc., todos recolhem dados étnico-raciais. Todos reportam dados fiáveis. Os exemplos abundam há é que aprender com eles. Algo que o INE aparentemente não consegue.

Em resumo a decisão de excluir a recolha de dados étnico-raciais não foi tomada por sólidas razões técnicas mas por critérios estritamente políticos e estes se houver vontade do Governo podem ser revertidos. Era bom que o fossem.

É que não há pior cego do que aquele que não quer ver. E o censo deve mostrar-nos a nossa sociedade tal qual ela é, com toda a sua diversidade.

Economista