Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Em Portugal, a distribuição geográfica da atividade económica, social e cultural entre o litoral e o interior é profundamente assimétrica e, por consequência, o mesmo acontece com a distribuição da população. Porque as pessoas vão para onde há “economia”, a emigração para os centros urbanos do litoral tem sido a tendência histórica acentuada pela globalização e pela (nossa) democracia.

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Em Portugal, a distribuição geográfica da atividade económica, social e cultural entre o litoral e o interior é profundamente assimétrica e, por consequência, o mesmo acontece com a distribuição da população. Porque as pessoas vão para onde há “economia”, a emigração para os centros urbanos do litoral tem sido a tendência histórica acentuada pela globalização e pela (nossa) democracia.

Com a globalização e o aumento da concorrência, aumentou a pressão competitiva sobre as empresas pelo que, sem ajuda pública, passaram a concentrar-se no litoral. A tendência agravou-se com a adesão à EFTA nos anos 60 e a adesão à CEE/UE nos anos 80 do século passado. O reforço da divergência entre regiões foi sempre potenciado pelo maior investimento público em infra-estruturas, serviços e criação de emprego no litoral, “onde há votantes”. Em suma, as migrações que têm assolado o interior à procura de melhores condições de empregabilidade no litoral (e no estrangeiro) conduziram ao progressivo esvaziamento demográfico e empresarial.

O que se espera dos governos é que sejam capazes de corrigir as falhas de mercado pelo que, a este nível, devem intervir no sentido de promover a atividade económica no interior. Se assim não for, como não tem sido, entra-se, como tem acontecido, num ciclo vicioso. A “economia” foi deixando de ser suficiente para melhorar as condições de vida, passando a faltar empregos e equipamentos básicos. À medida que a população do interior foi diminuindo, menos “economia” foi sendo precisa e muitas empresas foram fechando: o círculo vicioso da pobreza e da desertificação foi-se auto-alimentando.

Portanto, a dicotomia litoral/interior existe porque permanece uma desigualdade de oportunidades, que, ironia das ironias, deve ser a base de combate da democracia. Desigualdade desde logo pela inferior qualidade dos serviços fornecidos pelo Estado nas áreas da cultura, educação, justiça e saúde. Permite-se, sem pudor, que a elite dirigente e técnica de um sem número de organismos com funções de regulação, controlo e fiscalização, cuja atividade produtiva se concentra no interior, desempenhe as suas funções no litoral. Refira-se a título de exemplo a administração e todos os serviços da EDP, Iberdrola e outras. Consideram as barragens como “investimentos de desenvolvimento local”, mas apenas criam o posto de trabalho do vigilante durante a sua fase de exploração, pois o “real” emprego concentra-se no litoral. Aliás, o que o Estado tem feito com estes empreendimentos é nacionalizar, ao abrigo do interesse nacional, os meios de produção de milhares de anónimos que tinham aí a sua independência económica e simultaneamente garantida a liberdade, para depois concessionar a uma entidade privada a sua exploração, cujos detentores de capital jamais contribuíram para a melhoria da massa crítica social desses lugares.

Resumindo, o investimento que o Estado tem promovido no interior, em vez de criar efeito de replicação/imitação, concentra ainda mais o emprego e a riqueza no litoral. Há apenas investimentos pontuais, intempestivos, sem qualquer possibilidade de adensamento do tecido económico e social. Investe no turismo, mas corta serviços de saúde. Investe na educação, mas cria organismos com capacidade de absorção de recursos humanos de elevada formação no litoral. Despeja milhões no combate aos incêndios rurais, mas os beneficiários estão no litoral. A hipocrisia política é tanta que insinua para a TV que tem muita pena do interior, mas ao mesmo tempo encerra serviços. É isto que os políticos da democracia, encarcerados nos seus castelos do mundo lisboeta, têm feito pelo interior. Dizem que lutam por um país mais igual, mas defendem as desigualdades. Dizem que promovem a igualdade de oportunidades, mas nunca, jamais, querem isso. O que promovem é a sua “vidinha’ junto do Estado, toleram o litoral dos 75% dos votos e despreza o interior dos restantes 25%.

Sonsamente, dizem que agora sim, agora desejam promover a coesão e o desenvolvimento social e territorial. Se não houvesse hipocrisia, o governo concederia de imediato incentivos adequado que seriam certamente menores que o despendido com a recente ajuda à banca! O interior tem recursos mais ou menos abundantes que podem ser aproveitados e valorizados, desde o património cultural (monumental e imaterial) aos espaços naturais, desde produtos agrícolas singulares aos recursos do subsolo. Em algumas industrias tem até tradição. É assim que se deve pensar o desenvolvimento.

Mas o interior deve também beneficiar do princípio da solidariedade interterritorial, como Portugal como um todo (e o litoral, em particular) tem beneficiado dos países mais ricos da UE. Isso faz-se, por exemplo, invertendo a lógica de desqualificação dos serviços e infra-estruturas existentes. Faz-se também por via do reforço de serviços e da atratividade de alguns centros urbanos do interior, estrategicamente posicionados. Faz-se, ainda, olhando para os recursos e capacidades endógenas e pensando o respetivo desenvolvimento a partir do aproveitamento desses recursos e dessas competências.

Não existe, de facto, uma política integrada de igualdade de oportunidades e de aumento de competitividade do território do interior, para que os recursos dos residentes lhes permitam aceder aos bens e serviços que a sociedade fornece. Resta a migração que tem sido e continua a ser a sina de Transmontanos, Beirões, Alentejanos e Minhotos.