Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios
Com a alternativa das redes sociais e a profusão de informação jornalística e de ONG existente online estou a deixar de recorrer à televisão como fonte informativa e apenas a utiliza-la como fornecedora de entretenimento – futebol, filmes, séries e pouco mais. Como eu muitas outras pessoas. É que a propaganda política e ideológica invadiu os écrans e é sufocante. Um exemplo.
Dois movimentos oposicionistas pedem atualmente nas ruas e com a mesma veemência a queda do regime e a demissão do Presidente eleito democraticamente.
Um dos movimentos ocorre na Venezuela. A cobertura é avassaladora, a linguagem propagandística anti autoridade permanente, nenhuma voz a favor de Maduro, as mais incríveis invenções, logo desmentidas pelos factos, são noticiadas sem contraditório. E, contudo, Portugal reconhece o Governo de Maduro que mantém mesmo uma embaixada da Venezuela em Portugal. Seria, pois, fácil, garantir uma apresentação equilibrada dos factos.
E, seguramente, se alguém se autoproclamasse Presidente de Portugal pretendendo usurpar o lugar a Marcelo Rebelo de Sousa e incitasse à rebelião armada seria imediatamente preso como prevê a nossa Lei.
O outro movimento tem a França por palco. Aí durante meses a fio um movimento auto intitulado de "coletes amarelos" tem exigido a queda do regime e a demissão do Presidente Emmanuel Macron. A repressão tem sido brutal, dezenas de milhar de presos, políticos naturalmente, centenas de feridos incluindo vários portugueses ou luso-descendentes. Muito pior que na Venezuela. E aqui ninguém apela à rebelião armada. Apesar disso as televisões nunca dão voz aos dirigentes do movimento de protesto preferindo elogiar o regime francês e apelidar os protestantes de vândalos. Depois de quase um ano de protestos nem foi divulgado quem dirige os coletes amarelos ou quais as razões, que devem ser muito fortes, que levam os franceses a suster tão prolongada luta social face à dura repressão de que têm sido alvo. Não se organizam debates televisivos sobre o tema nem se insta o governo francês a refrear a repressão.
O facto de dois movimentos com grandes semelhanças formais serem tão diferentemente tratados leva o simples espetador, como eu, a pensar que já não interessa a cobertura fáctica dos acontecimentos nem a análise fria e distanciada dos eventos, mas apenas a propaganda política tendenciosa. A lavagem ao cérebro pura e simples, sem nuances ou artifícios. Descarada. Primária.
Mudo de canal. A mesma lengalenga. Mudo de canal. A mesma lengalenga. Mudo de canal. A mesma lengalenga. Mudo de canal. A mesma lengalenga. Concluo: a liberdade de opinião é para as televisões a liberdade de repetirem todas o mesmo embora por palavras ligeiramente diferentes. Apago a televisão. Resignado.
Felizmente sobre a Venezuela, como sobre tudo o mais, existem muitas outras fontes de informação, umas tendenciosas por um lado ou outro, outras equilibradas, umas jornalísticas, outras de ONG independentes que permitem ao cidadão formular o seu juízo sem recurso aos desacreditados canais generalistas portugueses.
Não é por acaso que publicações como o Jornal de Negócios continuam a reforçar e alargar um público fiel que procura obter informação por um ângulo específico da realidade e que sem dúvida não o utiliza em exclusivo mas em conjugação com outras fontes.
O poder das televisões está a esbater-se pelo exagero de propaganda e a mingua de factos e análise séria. Triste sinal dos tempos.
Economista