Ana Clara Borrego, Jornal i

O ano 2019, neste contexto, ficará marcado como aquele em que o Ministério das Finanças, sob a égide do Ministro Mário Centeno – na minha opinião, por influência das suas funções no Eurogrupo – recuperou a ideia da Educação Fiscal como “ferramenta” para a cidadania naquele contexto, voltando a fomentar iniciativas naquele âmbito.

A crónica de hoje pretende ser uma reflexão sobre um pacote de iniciativas do Estado, com vista à diminuição dos níveis de evasão e fraude fiscais, o qual promete ter efeitos muito positivos, desde de que, efetivamente, venha a existir uma real e correta gestão do mesmo. Estou, em concreto, a referir-me aos protocolos firmados, recentemente, entre o “fisco” e cinco organismos [a Direção-Geral da Educação, a Direção-Geral do Ensino Superior, a Ordem dos Contabilistas Certificados, o Instituto Nacional de Estatística (INE) e a Agência para a Modernização Administrativa], com vista a modernizar os serviços de atendimento ao público da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), bem como a dinamizar iniciativas de educação e cidadania fiscais.

A educação fiscal e a cidadania fiscal são dois conceitos intrinsecamente ligados. O primeiro caracteriza-se, essencialmente, pela consciencialização dos cidadãos da importância da cobrança de impostos para a construção e manutenção da vida em sociedade; a cidadania fiscal consubstancia-se, maioritariamente, no resultado positivo, nos comportamentos e atitudes dos cidadãos-contribuintes no contexto fiscal, da aplicação dos conceitos interiorizados na educação fiscal, originando, desse modo, cidadãos-contribuintes com comportamentos fiscalmente mais cumpridores e atentos. Podemos, assim, referir-nos a uma expressão que, em Portugal, é muito utilizada em outros domínios, mas esquecida no contexto fiscal: “educação para a cidadania”.

Países pioneiros na educação para a cidadania fiscal, como a Dinamarca e a Suécia, realizaram, há décadas atrás, uma forte aposta nesta vertente; investimento, esse, que deu resultados positivos, pois os países do norte da Europa são conhecidos por terem elevados índices de consciencialização fiscal, bem como de cidadania e moralidade tributárias – tendo os seus reflexos positivos nos baixos níveis de evasão e fraude fiscais e na grande propensão dos cidadãos daqueles países para denunciarem comportamentos e atitudes que envolvam “fuga ao fisco”.

No caso Português, o investimento governamental na educação fiscal, com vista a fomentar a cidadania e moralidade fiscais, teve uma falsa partida em 2007, com a criação do Grupo de Trabalho de Educação Fiscal, de onde surgiram algumas iniciativas quase imperfectíveis aos cidadãos, nomeadamente, uma exposição itinerante, em painéis, dirigida, essencialmente, aos jovens., enquanto futuros cidadãos-contribuintes.

Em Portugal, tradicionalmente, a cultura instituía de luta contra a evasão e fraude fiscais tem-se focado, essencialmente, em medidas e atitudes no âmbito repressivo, em detrimento daquelas que se enquadram mais no contorno educativo e preventivo, pois, não obstante, as ultimas poderem vir a propiciar efeitos práticos mais alicerçados, os seus resultados, por norma, não são imediatos. Não é, pois, surpreendente, que a primeira “experiencia” de educação fiscal em Portugal, tenha sido abandonada e esquecida durante mais de uma década, contrariando aquela que vinha a ser a tendência generalizada, mormente nos países Europeus.

O ano 2019, neste contexto, ficará marcado como aquele em que o Ministério das Finanças, sob a égide do Ministro Mário Centeno – na minha opinião, por influência das suas funções no Eurogrupo – recuperou a ideia da Educação Fiscal como “ferramenta” para a cidadania naquele contexto, voltando a fomentar iniciativas naquele âmbito.

Assim, no passado dia 25 março, decorreu, no Ministério das Finanças, a conferência, "Cidadania fiscal 2.0", subordinada à temática cujo nome adotou. No contexto daquela conferência foram, tal como já foi referido, assinados protocolos entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e cinco outras entidades, no sentido de modernizar o atendimento ao público nos serviços da AT e de fomentar a Educação e Cidadania Fiscais dos portugueses.

Os protocolos assinados com a Direção-Geral da Educação, a Direção-Geral do Ensino Superior e a Ordem dos Contabilistas Certificados, almejam promover a educação fiscal, maioritariamente, entre as crianças e os jovens nos estabelecimentos de ensino, numa perspetiva de investimento a médio e longo prazo, com vista a promover os níveis de cumprimento fiscal dos visados, quando, mais tarde, se vierem a tornar cidadãos-contribuintes ativos.

O protocolo assinado com o INE, finalmente, irá permitir, aos académicos, o acesso às bases de dados da AT para desenvolvimento de estudos científica, através do INE, da Fundação para a Ciência e Tecnologia, bem como da Direção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência, consubstanciando-se, assim, num reconhecimento (que só peca por tardio) da importância dos estudos realizados pela academia no contexto fiscal.

Quanto ao protocolo firmado entre a AT e a Agência para a Modernização Administrativa, não posso deixar de salientar que os objetivos que lhe estão subjacentes indiciam a vontade de mudança de paradigma de atuação do “fisco” perante os cidadãos-contribuintes, pretendendo-se transitar de uma atitude que tem como base o pressuposto de que todos os contribuintes, são, potencialmente, incumpridores e que devem ser tratados como tal, para uma atitude facilitadora do cumprimento fiscal, o que, de acordo com alguns estudos, tendencialmente, diminui os níveis de incumprimento fiscal.

Caros leitores, se estamos ou não, novamente, perante um falso arranque, só o tempo o poderá dizer. Pessoalmente, tenho algumas reticências em acreditar que haja vontade política para realizar um investimento sistemático em estratégias de atuação cujo retorno, se existir, ocorrerá a muito longo prazo, pois o que está em causa, quer no que concerne aos efeitos da educação para a cidadania nos cidadãos-contribuintes, quer no contexto da alteração de paradigma de atitude da AT (e dos seus funcionários) para com os contribuintes, são alterações de atitudes, posturas e, principalmente, de mentalidades enraizadas, mudanças que podem demorar mais de uma geração a ocorrer.