Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Há leis e práticas sociais que favorecem a fraude e outras que nunca foram criadas ou operacionalizadas pela mesma razão.

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A problemática da fraude exige um tratamento interdisciplinar. No trabalho colectivo e em rede temos envolvido o Direito (p. ex., no conhecimento das leis existentes), a Economia (p. ex., na determinação dos custos de uma fraude), a Gestão (p. ex., nos procedimentos organizacionais para detectar a fraude), a Engenharia Informática (p. ex. sempre que envolve a segurança informática), a Criminologia (p. ex. nas interligações entre certas fraudes e a criminalidade organizada transnacional), a Psicologia (p. ex. na percepção dos possíveis comportamentos individuais visando a prevenção), a Sociologia (p. ex. na explicitação dos conflitos de interesse existentes na sociedade), a Antropologia (p. ex. na inclusão da cultura nas políticas antifraude), as Matemáticas (p. ex. no cálculo da maior ou menor probabilidade de fraude numa dada situação), a História (p. ex. na explicitação dos elementos de mudança temporal), a Filosofia (p. ex. na interpretação da ética vigente). Diga-se em complemento que a esta amostra de saberes juntam-se as especificamente associadas ao tipo de fraude (p. ex. corrupção política, fraude no desporto, nas alfandegas ou na saúde) as muitas especializações em cada uma delas (p. ex. leituras micro ou macrosociais) e a própria natureza interdisciplinar de algumas (p. ex. a própria Criminologia).

Em resultado desta interdependência de saberes numa sociedade ainda muito marcada pela formação escolar e académica disciplinar os debates, as dúvidas e as perguntas, saudáveis e epistemologicamente enriquecedoras, são-nos habituais. No entanto algumas ainda nos espantam e embaraçam. É uma destas que hoje pretendemos partilhar com o leitor, certos que da própria inquietude surgirão novos rumos de leitura da realidade.

Porque tomamos como referência na definição de fraude a violação da lei, das normas organizacionais e da ética, há fraudes que são legais (não violam a lei) ou paralegais (é duvidoso que violem ou é de prova impossível). Tal pode significar que há leis e práticas sociais que favorecem a fraude e outras que nunca foram criadas ou operacionalizadas pela mesma razão. Essa acção ou inércia política não são em si uma fraude?

Mais do que responder detalhadamente pretendemos deixá-la no ar para todos nós pensarmos sobre o assunto, não sem deixar algumas pistas:

  • É indubitável haver danos e vantagens resultantes dessa situação, assim como uma falta de percepção generalizada da situação, o que pode configurar uma hipótese de logro.
  • É de admitir a inexistência de intencionalidade porque há paradigmas diferentes nas diversas ciências, porque há muita ignorância sobre esta problemática, porque aqui há que presumir a inocência, porque a negação da fraude como realidade simbólica é generalizadamente mais forte do que nas situações concretas.

Simultaneamente temos de ter em atenção dois aspectos:

  • A ignorância, assim como o erro, pode ser «mãe» da fraude.
  • A resposta a esta pergunta não pode ser nunca a base de leituras ditatoriais. A falta de liberdade pode diminuir a percepção de fraude, pelo silêncio e a censura, mas esta tenderá inevitavelmente a aumentar.